Com 10 anos na área de experiência do usuário, atuo como Product Design Manager no QuintoAndar. Meu foco está em uma liderança de design mais intencional e estratégica, auxiliando times a revolucionar de forma cada vez mais humanizada o mercado imobiliário no Brasil.
Quando recebi o convite para participar dessa iniciativa, meu primeiro sentimento foi de felicidade - "Nossa, que legal! Tô dentro!". Em seguida, medo - "Sobre o que vou falar? Não tenho nada importante a dizer, não sou especialista em nada e tem muita gente melhor que eu para isso". Obviamente a consequência seria a procrastinação e a negação - "Eu não tenho nada a dizer sobre Design em 2021. Qual a minha autoridade em algum assunto para falar sobre isso? Quem dirá escrever." Fritação demais e nada de sentar na cadeira para fazer. Por vezes, cheguei a pensar em desistir. Clássico, né?
Foi na véspera do prazo, depois de uma sequência de 1:1s com mulheres com quem trabalho, que percebi o quanto eu estava me entregando à auto-sabotagem. Em nossas conversas, ouvi que sou referência para elas. Me surpreendi com isso. Sim, precisei que 5 mulheres diferentes no meu dia a dia me dessem feedbacks em comum sobre a minha atuação em um verdadeiro alinhamento de planetas para que eu me desse conta daquilo que não vejo em mim. Percebi que a incapacidade de me reconhecer como uma referência profissional estava me impedindo de ter algumas atitudes importantes no trabalho. E fora dele também: óbvio que o medo de "mandar mal" ao escrever meu artigo ia me impedir de aproveitar uma boa oportunidade. Não dessa vez. Resolvi quebrar uma crença limitante e usar minha vulnerabilidade e experiência para trazer o assunto à tona:
Precisamos falar sobre a síndrome da impostora e as consequências que acontecem diariamente para nós, mulheres designers. Quero falar sobre minha experiência, meu ponto de vista e fazer um convite para 2021.
Longe de mim me colocar como especialista no assunto (mas se você quiser, aqui tem o artigo em que duas mulheres falaram pela primeira vez sobre o assunto, em 1978), mas resumindo o que aprendi em minhas leituras: a Síndrome do Impostor é um fenômeno caracterizado pela inabilidade de acreditar que seu sucesso é merecido por ser resultado do seu esforço, habilidades e experiências únicas. A "impostora" em nossas cabeças faz a gente crer que somos uma fraude que conquistou tudo através de sorte e mentiras e que um dia seremos descobertas por isso. A consequência óbvia desse sentimento é que nos questionamos e muitas vezes nos sabotamos quando as boas oportunidades aparecem. Somos dominadas pela ansiedade, baixa autoestima e medo. Essa síndrome não é oficialmente considerada uma doença, mas pode nos levar a problemas sérios como Síndrome de Burnout e até mesmo à depressão.
Muito se discute se esse problema atinge mais mulheres do que homens. Há estudos que dizem que sim, outros que não. Mas para o público feminino, sabemos que afeta especialmente mulheres experientes e bem sucedidas; mas também as que estão em início de carreira, que estão em profissões tipicamente ocupadas por homens, e claro, minorias. Enjoada essa impostora né?
Não sei vocês, mas eu já passei e ainda passo por todas. Essa situação ainda afeta minha carreira, mesmo tendo anos de experiência como designer, ocupando uma posição de liderança em uma importante startup brasileira e tendo reconhecimento do meu bom trabalho por pares, liderados e líder (mãe e pai também, claro 😬). Ainda assim, muitas vezes me questiono, fujo e me saboto. Acontece com todas nós.
Nada disso é de hoje. Nosso comportamento é, em sua maioria, forjado por impactos de uma sociedade patriarcal, com influências culturais e estereótipos sociais que insistem em dizer como uma mulher deve ser e como deve agir. Temos medo de expor emoções no trabalho pelo receio de sermos vistas como mais frágeis. Geralmente, mulheres com posturas ambiciosas e assertivas são vistas como agressivas. Temos dificuldade de equilibrar nosso tempo profissional com dedicação à nossa família e a pandemia só colocou holofote e mais dificuldades em nossas vidas, principalmente para designers que são mães. Além disso, muitas vezes sofremos com a falta de referências: quem são as designers que chegaram longe? Como elas chegaram lá? O que passaram, como superaram?
Não há saúde mental que aguente tanta pressão social de diferentes fontes. Um estudo recente da Universidade de Montreal sugere que as mulheres são mais propensas a sofrer de esgotamento profissional (burnout) do que os homens. Por quê? Porque, além de maiores dificuldades de equilibrar trabalho e família, é menos provável que recebam posições de poder, o que faz com que sofram mais com ansiedade, frustração e depressão. E quando recebem esses cargos, trabalham mais e mais para provar que os merecem.
É impossível negar que existam abismos entre a atuação de homens e mulheres no mercado de trabalho e que essa também pode ser uma realidade em nosso quintal. Talvez menos que em outras profissões e países, mas eles existem. O Panorama UX 2020, importante pesquisa sobre o nosso mercado, mostra que o percentual de mulheres no design era de 45%. Quando olhamos para cargos de liderança, mulheres têm menos chances que a média de estarem na posição de líder em suas empresas. Segundo a mesma pesquisa, o salário médio das mulheres é R$ 900 menor que o dos homens.
Outras evidências são mais sorrateiras, porém perceptíveis sob um olhar mais atento. Se você tem uma vaga de liderança aberta em sua empresa, note quantos candidatos são homens e quantos são mulheres. Nas reuniões que você vai, observe qual a proporção de homens em relação às mulheres. E quem não liga o microfone, ficando longe do holofote: eles ou elas?
Se você é homem, pense aí: dentre a sua lista de referências, existe alguma mulher? E para você mulher, quem você tem na sua lista de referências?
Se você se identificou com algo que falei, esse assunto te afeta mais diretamente do que imagina e precisamos começar a mudar isso. Nada vai acontecer da noite pro dia e muito do trabalho começa a partir de nós mesmas com pequenas atitudes. Não quero aqui eximir de culpa as empresas que também precisam fazer sua parte. Olhar, reconhecer e dar oportunidades justas para homens e mulheres. As lideranças precisam estar mais bem preparadas para isso, porque a realidade é que poucas estão.
Me perdoem o uso de um clichê, mas a mudança que queremos ver no mundo começa pela gente. Podemos dar passos que parecem pequenos, mas que são super importantes. Que tal começar reconhecendo quais são os contextos em que você se sabota? Assuma sua vulnerabilidade para conseguir ver e compreender o que te dá medo, faz você se questionar e duvidar do seu potencial. É mais fácil combater algo que vemos e conhecemos, portanto, conheça seus pontos fracos para entender onde é que você está se sabotando.
Até mais importante do que isso é reconhecer os seus pontos fortes e aquilo que te faz uma mulher e uma profissional única. Lutamos batalhas e aprendemos todos os dias. Olhe para trás, veja o quanto você conquistou e jamais negue sua origem e sua história. Aposto que você não faz ideia da força e do potencial que tem.
Parecem exercícios bobos, mas gradualmente veremos que o que nos segura são crenças limitantes que colocamos em nossas cabeças e são elas que nos fazem ficar quietinhas na reunião. Elas que nos impedem de nos candidatarmos a cargos de liderança, de palestrar e de compartilhar experiências sem medo de julgamentos. Precisamos dar o primeiro passo.
Eu não me considero boa escrevendo e morro de vergonha que leiam algo que escrevi, reconheço que esse é meu gatilho. Mas eu sei que sou uma boa líder, reconheço que essa é minha fortaleza. Por isso me jogo para que a minha mensagem ajude e empodere mais mulheres. Mesmo que seja preciso expôr minha vulnerabilidade para isso.
Reconheço também que eu sou uma mulher branca, sem filhos, com privilégios e moradora de um grande centro. Não tenho lugar de fala por tantas outras: mulheres negras, da comunidade LGBTQIA+, com filhos, com deficiência, da periferia, dos 4 cantos do país e uma lista com tantas outras. E por pertencer a esse lugar e ver tantos espaços homogêneos, ressalto que precisamos adicionar diversidade a essa discussão para enriquecer e equilibrar mais o olhar do design no Brasil em 2021. E esse é o meu primeiro passo: um convite em forma de texto para que venham comigo nesse novo ano. Se joguem! Olhem para dentro e reconheçam suas forças. Sinta orgulho de você todos os dias. Deem um tapa na cara dessa impostora! Façamos juntas um 2021 mais feminino, mais plural, mais diverso.
Eu não quero e nem vou parar por aqui. Afinal, existem lugares de liderança nos aguardando e reuniões importantes precisando de nossas vozes. Existem pessoas com problemas precisando de nós: mulheres designers, com nossas habilidades, olhares e experiências únicas. Mas, acima de tudo, existem designers maravilhosas entrando no mercado precisando que sejamos referências para mostrar que esse lugar também pode, e deve, ser delas.
Vamos dar o primeiro passo juntas?