Trabalha com interfaces de usuário desde 2005. Deixou de trabalhar com código há seis anos, e desde 2019 é Product Designer na startup Goomer, onde figura também como Chapter Lead. Pai da schnauzer Tina, fã de Seinfeld, Radiohead e yoga.
Quando comecei a fazer sites no interior, numa firma que parecia a filial da empresa de papel do seriado "The Office", eu apenas sonhava com o burburinho do mercado da capital. Não imaginava que um dia estaria numa de suas salas coloridas, com pessoas de uma miríade de lugares do Brasil e seus iPods, calças sociais e camisetas do Interpol; esses lugares só existiam em filmes e essas pessoas em listas de e-mail. Eu não sabia como chegar lá.
Na época, havia um abismo gigantesco entre Engenharia e Design, bem onde está a nossa área. Hoje, a gente está careca de saber que UX tem um pézinho em arquitetura, outro em psicologia comportamental, negócios, etc. Em 2004, "Design de Produto" ainda significava projetar cadeiras. Acabei indo para "Propaganda e Marketing", mas a maior revelação desse período foi quando eu encontrei um livro do Luli Radfahrer na biblioteca, o "Design/Web/Design". O livro começava com uma piada sobre como ele havia pendurado um diagrama complicado para confundir os colegas de trabalho. E uma ideia de carreira começava a se formar na minha cabeça.
Comecei a cobiçar um trabalho e uma transferência para a capital. As únicas graduações disponíveis eram a do SENAC (um carro popular por ano) e "Desenho Industrial" no Mackenzie. Mergo, Tera, Meiuca e os 379 cursos online de formação em UX estavam anos longe de existir. Num movimento consciente, resolvi me apoiar momentaneamente em programação, cuja barreira era mais técnica (ou você sabia, ou não) e depois eu ia me virar para "migrar" de volta.
O primeiro emprego do meu pai foi numa tipografia. Ele sempre falava sobre papeis e tipos, recordava o processo de enfileirar as palavras na impressora, letra por letra, e como todas eram recolhidos no final e guardados em caixas específicas. Ele compôs e imprimiu o convite do próprio casamento assim. Meu pai foi o primeiro designer que eu conheci.
Legenda: Em 1970 ainda não existia Corel Draw nas gráficas regionais
Texto alternativo: Fotografia de um convite de casamento antigo
Consegui entrar numa agência em São Paulo como desenvolvedor junior. Mil reais. Um terço do salário eu só via no holerite. Metade do que sobrava ia no aluguel - eu morava atrás do sofá numa sala (sem cortinas) de um apartamento com mais quatro pessoas. O restante ia em lanches, filmes e bar. Fiz muitos amigos. Isso foi em 2007.
A sigla "UX" começou a pegar forte nessa época, mas ainda parecia fancy ou algo que todos falavam mas não sabiam direito o que era, "trend da McKinsey". Apesar disso, a agência onde trabalhava já tinha um time de Interface e A.I. (Arquitetura de Informação) dos sonhos. Ali, tive o privilégio de conhecer e trabalhar com a Ana Coli, André Palugan, Marquinho Moreira (@uxdaquestao_).
Depois dali, naveguei o mercado por um tempo, sempre tendo a sorte de ancorar em times extremamente capacitados e esbarrar em pessoas que sabiam acolher, ensinar ou ao menos mostrar e fazer com que eu aprendesse a me virar. Até hoje eu acho que cada projeto feito observando designers mais experientes vale por um nanodegree.
Em 2014, no PagSeguro, absorvi muito dos mestres Stefan Martins, Fábio Zacarias e Paulinha Ramos (in memoriam). Eu anotava cada indicação de livro, ia nos eventos; ainda hoje, devo mimetizar sem perceber algum gestual deles em reuniões. O time de "Concepção" (como eles chamavam UX no UOL) era gerido pela Lu Terceiro. Lembro especialmente desse time sempre que preciso advogar com força pela instituição "usuário". Até hoje eles não sabem disso, mas foi ali que decidi que já estava na hora de olhar mais para pessoas e menos para código.
Depois de um tempo já trabalhando com Design no interiorrr, comecei a reparar que muitas empresas (entre locais que trabalhei, clientes ou empresas de amigos) tinham dificuldades ou simplesmente bloqueavam (em diferentes níveis) qualquer ajuste de processo (encaixar melhor os designers no Agile Scrum, por exemplo), sugestão de novas skills ou práticas; ao mesmo tempo, também vi ambientes que permitiam e encorajavam uma experimentação ilimitada na base da tentativa e erro (de forma anárquica até); depois entendi que as empresas nessas duas extremidades do espectro não sabiam, na verdade, como trabalhar com Design ou implementar uma cultura propícia para isso.
Legenda: "Cada 1 dólar investido em UX, traz 100 dólares de retorno para a empresa", disso os stakeholders gostavam
Texto alternativo: montagem mostrando duas fotografias de um mesmo produto, uma bóia aquática que funciona como porta-copos. A primeira foto, da própria embalagem do produto, mostra a bóia funcionando perfeitamente, com um copo de soft drink e canudo. A segunda foto, mostra o decepcionante produto real, afundando em uma banheira.
Uma das minhas hipóteses é que há questões estruturais em cena: ainda existem gestores que compartilham pelo menos "um ou mais" traços psicocomportamentais com Michael Scott (o melhor chefe do mundo, auto-proclamado). No capítulo "Business School", Michael é convidado para dirigir-se à classe de MBA de um dos colaboradores; durante a apresentação, o personagem é confrontado de maneira desconcertante por seu estilo ultrapassado e incapacidade de reagir, negando-se a aceitar a dura realidade (um dos episódios em que o apelido "rindo de nervoso" mais faz sentido para esse estilo de comédia).
Outra teoria é que talvez os atores responsáveis por evangelizar e amadurecer a cultura do Design, nesses lugares, carecem de ferramentas adequadas para criar um ambiente mais Design-centric. Hard skills, soft skills, liderança, apoio, visão de negócios? Penso que alguns profissionais não têm mesmo a bagagem necessária e subestimam a dificuldade da tarefa hercúlea, sob pressão interna ou externa. Não vou entrar no mérito do impacto na saúde mental dos envolvidos, mas aposto minhas fichas que reside aí uma dor oculta de muitos designers intermediários: de repente ser alçados a cargos e responsabilidades que representam um fardo maior do que podem suportar.
Quote:
Segundo a OMS, o Brasil é o país mais ansioso do mundo, com 9,3% da população afetada por distúrbios de ansiedade.
E o timing da tecnologia? É, pode ser que isso talvez não estivesse ajudando: a gente ouve falar sobre Dev Ops há anos, mas somente agora em 2020, Design Ops aparece no topo do Hype Cycle do Gartner (sinal que logo surfará a curva da saturação).
Enquanto isso, a pessoa designer que não experimenta uma cultura de Design em seu espaço de trabalho, vê as janelas de tempo entre ser contratada, lutar e acabar sendo vencida pela estrutura imutável das empresas diminuindo cada vez mais. Próximo recrutador no LinkedIn. Emprego novo. Repeat. E a preocupação com a carreira aumentando.
Eu mesmo, depois de um tempo, comecei a perceber que estava virando uma espécie de Michael Scott designer, fadado a ter uma etiqueta de ativo da companhia grampeado na nuca. Neste momento, percebi que havia inúmeros pontos cegos sobre mim mesmo que eu não conseguia enxergar, enquanto tentava tirar a vaca do brejo.
Legenda: Um feedback duro pode ser transformador
Texto alternativo: vídeo em GIF da cena de The Office em que o personagem Michael Scott rasga um livro
Quando voltei para Sorocaba, no início de 2019, embarquei num processo de reciclagem que segue até hoje. Investi bastante tempo estudando o que eu achava que já sabia (e descobri que sei ainda menos do que imaginava), mas a coisa mais importante que fiz foi ingressar numa comunidade local de profissionais e estudantes de Design, a UXSOR. Nessa vivência, percebi que muitas das minhas dores antigas e atuais ecoavam entre pessoas em diferentes fases da carreira. Vou deixar aqui alguns aprendizados:
1- A maior parte do conteúdo disponível sobre cultura de Design não leva em conta as limitações de empresas regionais
"Eu adoraria implantar a cultura do data-driven Design na empresa onde trabalho em ________ (cidade do interior), só preciso convencer o time de Engenharia, que é quem decide o que os designers fazem"
2- Você já foi um designer iniciante: acolha quem está chegando
Sim, algumas questões que surgem na comunidade são as mesmas de sempre. Como bem disse o Daniel Furtado, é como se estivéssemos em um eterno loop do Dia da Marmota: "Figma ou Adobe XD?", "Preciso saber codar?" ou ainda "Devo ser generalista ou especialista?".
Sem moderação, a comunidade corre o risco de se perder em discussões filosóficas e acaba virando palanque para opiniões polêmicas - nessa hora a evasão aumenta nos canais.
3- Valorize a cena local de Design
É comum ver designers que estão mais avançados e que poderiam ajudar a amadurecer o Design regional aceitando um downgrade na carreira para ganhar mais nas capitais. Não dá para julgar! Por conta do trabalho remoto, isto provavelmente irá diminuir um pouco.
No entanto, se você estiver atuando na sua região, à frente de uma comunidade, procure construir pontes, sempre que possível, com professores, universidades e instituições locais, articular uma rede de apoio, patrocinadores. Se você é uma pessoa designer, não tem desculpa, participe!
4- Você é uma Masterclass ambulante
Minha evolução profissional só foi possível pela convivência e aprendizado com grandes pessoas designers. Grandes mestres. Talvez você não perceba, mas se você já tem alguns anos de estrada, já virou referência para os olhos de outra pessoa designer mais nova. O mínimo que você pode fazer é contar a sua história e compartilhar a resposta para a seguinte pergunta:
Legenda: Antes da pandemia, nós recebemos em Sorocaba várias pessoas designers para
compartilhar essa e outras respostas e promover inspiração entre designers iniciantes.
Texto alternativo: Imagem de um grupo de pessoas participantes de um evento da comunidade UXSOR
Também em 2019, eu entrei na Goomer, uma startup de comida nascida e criada no interior, mas com a cabeça no mundo! Desde que comecei, fui abraçado por uma família que não mede esforços para que você se sinta em casa, literalmente (nossa sede fica numa casa com jardim, quintal e cachorro). Aqui, propósito e entrega de valor andam de mãos dadas; estamos em contato com pessoas o tempo todo, e alcançamos resultados enquanto cozinhamos juntos. É possível - pessoas construíram isso!
Se você chegou até aqui, obrigado pelo tempo investido na leitura desse metade artigo/metade crônica. As inúmeras referências a The Office ficam por conta do ano de 2020 - a série que retrata um escritório ordinário foi o conteúdo mais consumido no ano em que mais trabalhamos de casa. Por aqui, ajudou a esquentar o coração.
A versão americana de The Office quase foi cancelada após a primeira temporada. O que aconteceu foi que o tom extremamente ácido do programa era inglês demais para o público americano. Coube aos produtores lidar com o feedback do ibope, a pressão dos executivos da NBC e promover uma evolução no produto, no caso, ajustar o personagem de Steve Carell tornando-o uma figura mais simpática e adicionando finais mais otimistas aos episódios.
Legenda: Melhorias percebidas também na embalagem do produto
Texto alternativo: montagem mostrando duas fotografias de uma mesma pessoa, o ator americano Steve Carrell, interpretando o personagem Michael Scott. Na primeira fotografia, o personagem exibe uma aparência mais sisuda e caricata, na segunda fotografia, o personagem exibe uma aparência mais amável
Logo, é possível levar o mindset de produto também para a vida pessoal e carreira: se algo não está funcionando, melhor ajustar. Aceite com serenidade os feedbacks. Se algo não entrega valor, melhor repensar. Apenas lembre-se que antes de tudo, somos também, pessoas.
Cuidem-se e tenham um ótimo 2021!
Links:
"Leading with craft", é um compilado de textos e entrevistas com atores do mercado de Design global sobre uma nova liderança técnica em Design (liderando pela habilidade, CIs que lideram sem sair do operacional):