Denise Pilar é especialista em Experiência do Usuário (UX), Pesquisa de Experiência (UX Research) e UX Strategy. Doutora em Psicologia Cognitiva pela PUCRS. Mestre em Informática, pela Universidade Católica de Louvain, Bélgica, e Bacharel em Ciência da Computação, pela UPF. Trabalha com UX Research em ambientes corporativos desde 2009. Atualmente trabalha com Design Inclusivo e se dedica também ao ensino de UX, avaliação e expansão de maturidade de UX em empresas, e mentoria de futuros UXers.
Há alguns dias me perguntaram qual a soft skill mais importante num pesquisador de experiência. Respondi prontamente, pois a meu ver, a mais crítica é a inteligência emocional. Você pode estar se perguntando, mas não seria a empatia? A escuta ativa?
Com certeza empatia e escuta ativa são muito importantes, mas exercitá-las é mais fácil para quem tem inteligência emocional.
A Inteligência Emocional está em alta. De acordo com o Relatório sobre o Futuro do Trabalho, publicado anualmente pelo Foro Econômico Mundial, de cinco anos para cá, entrou nas lista das Top 10 habilidades mais valorizadas no mercado, e já está em sexto lugar.
Na pesquisa de experiência, essa habilidade é ainda mais crítica, pois trabalhamos para entender e comunicar experiências, dores e necessidades alheias. Nossos relacionamentos são chave para nossos aprendizados. Em nosso dia a dia como pesquisadores de experiência é indispensável estabelecermos relacionamentos de confiança – em maior ou menor grau, mas em todos os níveis - para que possamos fazer um bom trabalho.
Antes de falar da importância e da relevância da Inteligência Emocional para a pesquisa de experiência, é preciso deixar claro o que entendo por Inteligência Emocional, e como cientista que sou, escolho definições direto da fonte 😊 Segundo os professores Mayer e Salovey, da universidade de Yale, que cunharam o termo nos anos 1990, Inteligência Emocional é a habilidade de perceber e reconhecer as emoções do outro. Como pesquisador, preciso ser capaz de identificar se meu usuário está frustrado ou se apenas vive um dia difícil. É ser capaz de nomear, avaliar e compreender as emoções que percebemos, e também de expressar tais emoções com precisão e adaptivamente, já que as emoções também acontecem em contexto, e precisamos adaptar nossas respostas às emoções que percebemos. É saber acessar sentimentos (ou gerá-los) quando precisamos deles para facilitar nosso processo de pensamento, em vez de enviesá-lo. Se eu sei que fico impaciente com pessoas prolixas, por exemplo, ao perceber minha impaciência, posso racionalizar que o outro não é responsável pelo meu sentimento e apenas tenta se expressar. Isso me ajuda a pensar com mais clareza.
Não é preciso ser a pessoa que todo mundo gosta, mas é indispensável sermos capazes de estabelecer conexões com os usuários com quem interagimos, afinal, se não conectarmos de alguma forma, não confiarão em nós, e se não confiarem, não obteremos os dados que buscamos. É estabelecendo conexões emocionais que se constrói confiança.
Outra parte importante do trabalho de pesquisador de experiência é lidar com a resistência, especialmente de stakeholders e, muitas vezes, de clientes. Resistência significa que parte da identidade da pessoa lhe está sendo tirada (e escrevo isto também para mim mesma...), ou seja, eu resisto ao novo quando aceitá-lo significa enfrentar o fato de que tudo o que vivi e acreditei até agora pode ter sido uma fraude, um erro. Isso dói, então resisto. Ao nos depararmos com a resistência, estamos testemunhando alguém experimentar emoções para as quais não está preparado. Nessa hora, precisamos de toda a inteligência emocional que estiver disponível, para acessar as emoções da pessoa e mostrar a ela que não a estamos ameaçando.
Não é preciso ser um negociador nato, mas é preciso aceitar e acomodar as diferentes perspectivas e interesses. Stakeholders também são seres humanos, e, portanto, também precisamos de uma relação de confiança com eles.
Se consideramos emoções como informações, se olhamos para elas com curiosidade, como cientistas, se nos despojamos da mentalidade de soluções rápidas, fica muito mais viável ouvir sem julgar. É preciso aceitar verdadeiramente que o “meu jeito” não é necessariamente “o jeito certo”. E tudo bem.
Segundo o Dr. Marc Brackett, da universidade de Yale, a Meca da inteligência emocional, emoções são parte da experiência humana, não se pode deixá-las na porta do escritório. Por que seria diferente conosco, pesquisadores? Por que seríamos capazes de entrevistar um usuário com sucesso se não aprendermos a lidar com nossas próprias emoções? O que nos torna imunes? Como sabemos onde estamos e o quanto somos capazes de perceber e responder adequadamente às emoções dos nossos usuários?
Fala-se tanto em não julgar, como se fosse simples, ou mesmo possível. Prefiro a ideia de que não somos capazes de evitar julgamentos, com base em nossos valores, crenças e vivências, mas podemos, sim, olhar para nossos julgamentos e questioná-los. Podemos adiar a sentença. Para isso é crucial desenvolvermos nossa inteligência emocional, intencionalmente.
Mas como saber quão emocionalmente inteligente eu sou? Será possível avaliar nossa própria inteligência emocional? Não. A minha percepção de minha própria inteligência emocional mede o que eu penso de mim mesma, minhas crenças, e vem contaminada por meus vieses. Seria então mensurável pela percepção de outras pessoas que convivem comigo? Também não. A percepção dos outros mede minha reputação, e está sujeita aos entendimentos de inteligência emocional por essas pessoas, que pode ou não ser correto, bem como a seus vieses.
Como, então, se pode medir a inteligência emocional de alguém? Existem instrumentos cientificamente desenvolvidos e validados para isso, mas para a pesquisa de experiência, mais do que saber o quão emocionalmente inteligentes somos, o essencial é sabermos que precisamos constantemente nos preocupar com isso e buscar evoluir.
É relativamente “fácil” ser emocionalmente inteligente quando tudo vai bem. O grande desafio é exercitar a inteligência emocional quando as coisas dão errado, quando faltam recursos, quando somos contrariados, ou quando nos sentimos injustiçados. Inteligência emocional, então, aparece na forma como lidamos com conflitos, no momento em que o conflito acontece.
Para sermos bons pesquisadores, precisamos manter nossa mentalidade de aprendizes e nunca deixar de questionar nossos julgamentos, pois, em toda e qualquer situação, sempre haverão as três verdades: a minha verdade, a verdade do outro, e A verdade.