Cientista molecular de formação, user experience designer por vocação e empreendedora por acaso. Apaixonada por interseções entre áreas de conhecimento, como matemática, design, tecnologia, psicologia e negócios.
Sabe quando uma ideia despretensiosa toma grandes proporções? Em 2015, durante uma aula em um programa de administração para mulheres empreendedoras eu fui questionada sobre dados a respeito do mercado de UX no Brasil. Depois de constatar que essas informações não existiam, tive a tal ideia: e se eu coletar esses dados?
Assim surgiu o Panorama UX, uma pesquisa que funciona como um auto-retrato coletivo da comunidade de profissionais em experiência de uso no Brasil.
A pesquisa foi se transformando com o tempo. A primeira edição mapeou a rotina e principais atividades no trabalho. As seguintes trouxeram novas variáveis, como salários e diversidade - revelando, não muito surpreendentemente, a diferença salarial entre gêneros e falta de diversidade racial na área. Também exploramos assuntos mais complexos, como a visão de quem trabalha com UX sobre decisões tomadas por algoritmos. E, em 2020, o tema inevitável: como foi trabalhar com UX durante a pandemia?
Em paralelo ao conhecimento sobre o mercado, o tempo da pesquisa marcou outro aprendizado muito relevante para mim: a aproximação com a área de visualização de dados. A cada ano uso o momento de compilar a pesquisa como uma oportunidade de aprender um pouco sobre dataviz.
Hoje vejo mais paralelos do que diferenças entre as práticas de UX e visualização de dados. A necessidade de se entender o público-alvo, o contexto de uso e os objetivos do projeto são comuns aos dois mundos. Assim como as etapas de prototipação, evolução iterativa, teste com usuários e a necessidade de um conhecimento interdisciplinar para colocar um projeto no ar.
Neste ano de 2020, a visualização de dados se estabeleceu como principal linguagem numa tentativa de entendermos o mundo em que vivemos. A disciplina, antes restrita a audiências mais técnicas, passou a ser o centro da comunicação e do debate social. Uma retrospectiva do ano pode ser pautada por visualizações: achate a curva, crescimento exponencial, simulações de contágio, média móvel, segunda onda, queimadas no Pantanal, mapa das eleições, taxa de desemprego, e a lista segue.
Ao me aproximar desse universo, vejo a importância de trazermos uma visão sistêmica e humana da experiência de uso para combater ideias simplistas de máximas como “os números falam por si”. Números não falam sozinhos, eles podem servir de material para contarmos diferentes histórias. A subjetividade começa no conjunto de dados escolhido, na visão sobre quem está (e quem não está) representado ali e no ponto de vista escolhido para a análise. O resultado pode ser um gráfico de barras que distancia a audiência dos números mostrados, ou uma narrativa visual construída justamente para despertar emoções.
Um exemplo que ilustra uma abordagem mais humana dos dados é a simulação sobre o tempo de adoção de crianças no Brasil feita pela equipe do jornal Estado de São Paulo. A visualização é baseada nos números reais da fila de adoção e as escolhas mostram sensibilidade para lidar com questões delicadas. Os dados poderiam ser apresentados com um gráfico de barras comparando o tempo de adoção por idade, mas dificilmente teriam o mesmo impacto emocional na audiência.
A preocupação com o lado humano dos dados sempre esteve presente no Panorama UX. O cuidado começa na forma de fazer as perguntas, em permitir respostas fora do padrão e em validar o questionário com pessoas de perfis variados antes de ele ser publicado. Ele está presente no olhar de análise, nos recortes escolhidos e na forma de apresentar os resultados.
Em comemoração aos 6 anos do Panorama UX, compilei os dados dos últimos anos em uma visualização exploratória, que permite navegar pelas respostas a perguntas abertas ao longo das edições.
https://observablehq.com/@carolinaleslie/panorama-ux-ao-longo-dos-anos/2
A visualização de dados veio para ficar: é uma área que tende a crescer, evidenciando a necessidade de ter mais profissionais aptos a entender os números e transformá-los em informação compreensível para o público-alvo. O design em UX pode contribuir com suas metodologias, colaborando para tornar o público mais letrado em relação a dados e tomando para si o papel, fundamental, de transformá-los em histórias.
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E não dá pra falar da pesquisa sem alguns agradecimentos. ;) O Panorama UX não existiria sem a colaboração da sempre sócia-sabidinha Ana Coli, o apoio visual de Victor Carvalho, a parceria mais recente com Izabela de Fátima no recorte sobre pesquisadores em UX, a colaboração de tantas pessoas que trabalharam comigo nesses anos e, principalmente, a participação de todos que toparam e confiaram seus dados respondendo ao questionário. Obrigada! :)