Amyris Fernandez é criadora da UX Change Academy, escola de UX, negócios e neurociência. É Sócia-Diretora da Usability Expert Consultores, empresa de Design Thinking, inovação e design voltado para UX. Sabendo que muitas pessoas estão fazendo sua transição de carreira, oferece faz mentoria. É coordenadora de cursos e professora da FGV, FIAP e da Digital House. Doutora em Comunicação Social pela Universidade Metodista - SBC, tendo realizado parte de sua pesquisa com Bolsa Sanduíche CAPES no Centro de Pesquisas de Games no ITU, Dinamarca. É Mestre em Comércio Eletrônico pelo Rochester Institute of Technology. Numa vida passada trabalhou em grandes empresas de publicidade, e varejo tradicional.
A Inteligência Artificial, os softwares de automação de marketing, e a presença mais extensiva dos robôs já se faz presente. Muitas empresas globais enfrentam o dilema de destruir cidades inteiras ao robotizar suas linhas de produção, ao utilizar a Inteligência Artificial em que áreas de serviço de apoio ao cliente que antes davam ocupação a pessoas. Um excelente exemplo é a indústria de equipamentos agrícolas, que recolhem dados da produção de cada fazenda, monitoram as máquinas e dão suporte às mesmas baseados em dados, sem nenhuma interferência humana.
A evolução da Inteligência Artificial e a automação indicam que milhares de processos irão desaparecer e ser substituídos por máquinas inteligentes e autônomas. Significa que cidades inteiras, que dependem das fábricas e dos serviços administrativos ligados a elas, irão sofrer profundas mudanças e que milhares de pessoas, incapazes de adquirir novas competências técnicas, terão que encontrar novos rumos.
Segundo o estudo do Innovate and Educate (data aqui e referência no final), empreender de forma coletiva ou individual tem encantado muitos, mas poucos estão preparados para esse momento, sejam eles executivos, empresas ou indivíduos, ou mesmo as próprias instituições de ensino. Outras formas de sobreviver às mudanças é tornar-se freelancer, aceitar os trabalhos conhecidos como parte da Gig Economy ou ainda aproveitar um momento de vida e aceitar trabalhos que exigem pouco ou nenhum treinamento específico, apenas usam conhecimentos anteriores, tal como dirigir ou atender um telefone. Ainda assim, essa perspectiva é de curto ou médio prazo, pois, dependendo da economia, carros autônomos e robôs humanóides já podem ocupar essa posição.
Nesse cenário de mudança, o papel dos executivos e dos profissionais de educação é tremendamente desafiado. Conhecimentos adquiridos terão que ser reciclados, práticas de negócios serão desafiadas e processos terão que mudar.
No caso específico dos profissionais de Experiência do Usuário, sempre tão comprometidos em entender os usuários, terão que desconstruir práticas arraigadas, rever seu papel na sociedade e se preparar para mudanças no que lhes será exigido como profissionais.
Considero que a parte inicial do trabalho de um profissional de User Experience, a pesquisa, é também a mais determinante e estratégica. É dentro dessa prática que se conhece o usuário, seu mundo e forma de pensar ou que isso deveria acontecer, para que se gerasse a possibilidade de visualizar oportunidades de negócio, atender necessidades que hoje são mal atendidas.
No entanto, o que se observa na prática é que a pesquisa não utiliza técnicas que permitem a Descobrir, mas sim, são pesquisas para Validar, e isso vai em direção completamente oposta ao método que dá sustentação a todo o Design Thinking, que privilegia práticas de pesquisa que observam o comportamento real de humanos e, por isso mesmo, dão a chance de podermos criar algo novo, de forma a atender as necessidades dos usuários/clientes/humanos e atender às necessidades das empresas.
A prática de pesquisa quando voltada para a validação de ideias, reforça apenas uma prática obsoleta de marketing: as pesquisas de mercado para colher opiniões de pessoas sobre produtos que a indústria já criou e já exercícios com números que apenas precisam ser validados. Essa prática é criticada por estudiosos como Yankelovich e Meer (2006) de forma contundente e clara, mas nós continuamos a praticar algo que não dá resultado.
Outra prática comum é abandonar as discussões que envolvem a linguagem de negócios. Não deveríamos fazer isso nunca! Primeiramente, porque nós somos os profissionais que mais interações com o usuário, portanto, somos (ou deveríamos ser) aqueles que mais conhecem seus anseios e como eles se traduzem em comportamentos. Em segundo lugar, deveríamos aprender a argumentar com
números, pois sabemos que todas a mudanças ou ideias novas que propomos tem impactos financeiros e, se nossos interlocutores só entendem números, não deveríamos tentar muda-los, torna-los mais empáticos (não apenas isso), mas deveríamos falar na língua deles.
Por último, damos uma importância desmesurada para o domínio de ferramentas como Adobe XD ou Figma, perguntamos em todos os lugares qual o melhor curso e qual livro ler, mas não nos damos conta de que todas as tecnologias são substituíveis, que é preciso fazer o curso e praticar o que se aprende, ou não se aprende a ser eficiente e eficaz, e que não basta ler um livro, é preciso ler milhares de livros, para
poder formar uma opinião sobre algo.
Talvez, depois de dominar o que quer que seja de tecnologia, você deveria ficar de olho nos sinais de mudanças, novos tempos e total transformação da profissão. Sim, estou falando de robôs, automação, uso extensivo de dados para tomada de decisão e da substituição de interfaces gráficas por interfaces que reagem a gestos, voz e criação de robôs humanóides.
Há muitos anos acumulamos dados e utilizamos algoritmos, Machine Learning e Inteligência Artificial. Na publicidade vemos o uso extensivo dessas ferramentas para a tomada decisão de qual espaço publicitário comprar para um determinado público, sem que haja interferência humana. Sim, existe a parametrização de verba e objetivos dentro de ferramentas de marketing cloud, mas depois disso, todas as decisões são tomadas pela avaliação de dados, probabilidades e objetivos sem interferência humana. Tudo feito numa velocidade absurda, com um ganho de aprendizado imenso, diminuindo os erros de compara de mídia de forma impensável há 10 anos.
Em 2020, isso é uma realidade que exige outras competências dos profissionais de marketing. É preciso que saibam estatística, conheçam as propriedades do algoritmo, saibam como parametrizar a ferramenta e observar os dados.
Pois bem, essas mesmas ferramentas podem usar os dados de navegação, as caraterísticas de cada usuário para escolher tipo de produto vai ser exibido, em qual
template de interface, fazendo Testes A/B de forma igualmente automatizada. Observem, todas essas coisas não precisam da interferência humana a partir do momento em que estão estabelecidas. Precisam apenas do gerenciamento dos resultados obtidos. Isso torna seu papel como UX diferente, transformando você de criador num gerente, uma pessoa que irá ler números e redirecionar a máquina só se precisar. Este não é um cenário possível, este é um cenário real, que já existem nas empresas e você deve preparar-se para ele adquirindo competências distintas daquelas necessárias hoje.
Essas novas competências a ser adquiridas ficam ainda mais proeminentes diante de novas interfaces: as que atendem comandos por gestos e os novos robôs. No caso específico de interfaces que atendem a gestos, você já considerou ler trabalhos científicos sobre gestos humanos? Neste exato momento, se eu perguntasse quais são os gestos naturais e quais são os que aprendemos por conta da nossa convivência com interfaces touch você saberia classificá-los corretamente, sem ambiguidade na classificação? Pois bem, há estudos que mostram que estamos num momento em que há gestos híbridos: parte herdados das mídias e parte novos. Acontece que, se você não prestar atenção aos sinais de mudança nas interfaces, você vai ficar obsoleto como profissional logo mais.
E eu vou te provocar ainda mais. Já pensou que está na hora de entender de UX pra relações entre humanos e humanóides? Já pensou que a expressão de sentimentos através de expressões faciais perfeitas pode ser inaceitável para nós humanos? Há profissionais de UX que hoje estão dedicados a essas questões. Não, eles não estão confinados a Academia. Estão em empresas que querem ocupar adequadamente seu lugar em mercados que ainda estão em formação: o mercado de substituição de humanos em tarefas rotineiras, consideradas menores e repetitivas.
Meus objetivos ao fazer tais provocações foram demonstrar que precisamos reconhecer que algumas práticas de mercado não geram o resultado esperado para o cliente, como é o caso de pesquisas mal feitas e que se afastar de linguagens e conhecimentos de outras áreas não necessariamente nos torna melhores profissionais.
Ao contrário, nos tiram a empatia e o vocabulário tão necessário para podermos provar nossas ideias.
Por outro lado, continuar a achar que nosso trabalho está confinado a interfaces touch é um erro, pois é preciso expandir e atualizar o conhecimento de forma contínua, sob pena de nos tornarmos obsoletos como profissionais e como profissão.
Biibliografia
YASNKELOVICH, D., MEER, D. Rediscovering market segmentation. Harvard business review, 2006
WEISS, A. et all. Addressing User Experience and Societal Impact in a User Study with a Humanoid Robot. Proceedings of the 23rd Convention of the Society for the Study of Artificial Intelligence and Simulation of Behaviour, 2009
BOHN M. et all. Learning Novel Skills From Iconic Gestures: A Developmental and Evolutionary Perspective. Psychological Science, Vol 31, Issue 7, 2020