Product Designer belenense com coração de UI Designer atuando há mais de 12 anos na área criativa. Bacharel em Design pela Universidade do Estado do Pará e especialista em Service Design pela Universidade Positivo.
"Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu"
Roda Viva (Chico Buarque)
O Chico é um grande mestre no uso das metáforas. Ele usava essa figura de linguagem para falar de algo, sem falar. Principalmente nos idos da Ditadura.
Roda Viva fala de quando a vida toma um rumo inesperado. Diferente daquilo tido como certo de acontecer. Muito pertinente ao momento que vivemos, não???
Lembro que decidi ser web designer quando caí no vanguardista site da Eye4u (na época era, pelo menos). Maravilhado com aquela profusão de cores e formas em movimento, o que se seguiu foi uma tórrida relação de amor com os pixels, delirios "eskeomórficos" e telas, muitas telas desenhadas no Fireworks e Photoshop.
As agências digitais reinavam em um mercado ainda aquecido pelo "Boom da Web". Todas as marcas, das pequenas as grandes, buscavam fincar suas bandeiras neste admirável mundo novo chamado Internet.
O mercado chegou a frustrante constatação que suntuosos sites corporativos e hotsites full-flash não faziam jus ao investimento. Para contornar a situação, grandes corporações passam a formar seus próprios times de design, em um modelo bastante diferente das agências digitais.
De web designers a arquitetos da informação, ux designers, e mais recentemente, product designers, a pessoa designer assumia um papel cada vez mais amplo e decisivo no mercado digital. De simples pintores de pixels a pontos focais estratégicos em qualquer negócio que se considere disruptivo, da Pesquisa de campo à Prototipação, do Discovery ao Deployment, da API ao OKR, lá estavam presentes, com uma opinião que devia ser levada em conta. Assim surgiam as Design Led Companies.
"A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino pra lá..."
O termo UX se tornou sexy e designers, os queridinhos do momento! Tantas eram as competências de um product designer, que a última coisa que ele passou a fazer foi design. Escaparam da sedução das interfaces, para abraçarem as generalidades em tempos de comoditização do design. O resultado? Queda de qualidade na execução.
E o que vemos hoje é uma crescente busca por profissionais de design com expertise em User Interface (UI) e Visual Design para compor times multidisciplinares. Os ditos especialistas em design de interfaces, ou UI designers.
É Chico. A roda viva girou. Novamente...
"Roda mundo, roda-gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração"
Conto isso porque me vi bem no meio desse "Roda moinho". Assumindo e abdicando rótulos conforme conveniente. Tentando ser o que o mercado queria que fosse.
O lado bom disso tudo? No fim, estas "reviravoltas" têm me ensinado a responder, enquanto UI designer, às demandas de um mercado em constante evolução.
Compartilho alguns aprendizados aqui:
É. A interface deixou de ser a protagonista desta história há muito tempo. Contudo, não devemos ignorar o seu potencial em dar evidência aos grandes e verdadeiros protagonistas dos tempos presente e futuro.
Pense em como as interfaces podem ser úteis para combater o vício em telas. Contraditório? Não. Imagine uma UI preocupada não somente em favorecer a ação desejada, mas também em retirar as pessoas da frente da tela o quanto antes. Teríamos menos tempo com distrações e mais tempo de qualidade com quem amamos e o mundo à nossa volta, não é mesmo?
Ou então, como podemos usá-las para dar voz à discursos relevantes do nosso tempo: Diversidade, inclusão, acessibilidade, e tantos outros...
Os incontáveis signos da camada visual do design, como ilustrações, cores e estilos devem representar a sociedade plural e diversa que se utiliza destas interfaces. Um exemplo prático do que estou falando pode ser conferido nesta publicação do time de design do AirBnB.
Ou ainda usar as interfaces gráficas como aliadas na implantação e suporte de novas tecnologias. Ou até quem sabe, abrir mão delas, por que não?
Golden Krishna em seu livro "The Best Interface is No Interface", questiona o uso de interfaces gráficas em produtos e serviços, quando os problemas em questão poderiam ser resolvidos sem elas. Veja o que ele diz:
"Tecnologias complexas(se referindo à sistemas de prevenção de acidentes em aviões) estão usando uma ferramenta simples para lidar com falhas: interfaces gráficas. Como um backup. Como uma experiência secundária. Esta transição de experiência primária para secundária tem se mostrado um caminho inteligente para um futuro sem interfaces"
(Golden Krishna, 2015)
Entender o potencial catalisador das interfaces, ao invés de tratá-las como protagonistas é fundamental para que o UI designer se torne um personagem relevante em novos contextos.
De um lado, negócios requerem padrões de design escalonáveis. De outro, pessoas buscam experiências cada vez mais pessoais, personalizadas e únicas. Que paradoxo, não?
No centro desta equação, UI designers têm descoberto um terreno fértil para explorações visuais e difusão de novos padrões, tornando-se peças-chave na concepção de Design Systems.
Em uma ponta, designers concebem os padrões, tokens e artefatos visuais. Na outra, times de produto utilizam estes componentes na construção das interfaces, detectando oportunidades de melhoria e adaptação. O processo se retroalimenta. Viva à Colaboração!
Já pensou no papel destes profissionais como difusores de conhecimento e boas práticas? Como educam o olhar das pessoas, quer designers ou não, traduzindo conceitos e demandas de nosso tempo em padrões visuais de interface?
Seremos estratégicos neste cenário, à medida que nos comprometermos com a difusão de boas práticas e fomentarmos um ambiente colaborativo.
Saber medir o impacto de uma UI no negócio é essencial para o fortalecimento da disciplina.
Aarron Walter discorre sobre como medir o impacto da utilização de Emotional Design em métricas de negócio no seu livro "Designing for Emotion". Embora o tema da obra seja mais amplo, a maioria dos exemplos citados por ele dizem respeito ou se aplicam ao uso de UIs.
Começar com pequenas intervenções de UI, com o intuito de melhorar métricas específicas (como tempo de tela, ou taxa de conversão), assim como apresentar cases de sucesso baseados em intervenções de UI em produtos afins, são consideradas boas estratégias segundo Walter.
Já eu diria: "foca no qualitativo!". Ao meu ver, questões como "porque usam", ou "como se sentem?" são mais assertivas para medir o impacto positivo de uma UI do que descobrir números e quantidades.
UIs e Visual designers que aprendem a ler as demandas do tempo presente (ou de um horizonte próximo) e entendem a interface como um meio, não um fim, são os que permanecem relevantes, a despeito de todas as transformações que possam surgir.
A nós, resta desapegar das roseiras que a roda viva levar e plantar as novas que desejamos para o futuro.
As interfaces, sejam gráficas, sonoras, neurais, não importa... Elas estarão lá. Nós também.