Consultora de Inovação em Negócios com foco na Experiência de Clientes na Horizon Consulting, Expert e Mentora na Tera no Bootcamp de UX e Liderança de Produtos Digitais, Professora na Lemonade no Curso de Customer Experience, Voluntária de Pesquisa na ONG Ajude o Pequeno. Formada em Administração de Empresas e Direito. Atuou muitos anos como sócia gestora da Editora Dialética.
Nem nos meus mais distantes pensamentos, nem naqueles guardados nas profundezas da minha cabeça poderia imaginar viver uma pandemia..
Saí do escritório em uma terça-feira de março para fazer uma cirurgia de tornozelo e não voltei mais. O que seria um repouso de alguns poucos dias, seguido de um período acompanhada de "uma motinho" para poder cumprir a agenda de reuniões de um projeto que estava terminando, se transformou numa quarentena.
Nesses momentos de vida, que a ansiedade vem se aproximando, tem uma frase que sempre me socorre "um dia por vez", "um dia por vez"...
Mergulhei em um ano que a revisão de prioridades me acertou em cheio: família, saúde, vida. Ao mesmo tempo, o isolamento me presenteou: amizades improváveis construídas de forma totalmente online, trabalhos realizados de forma remota que mostraram que tudo bem estarmos cada um da sua casa, muitos cursos que brotaram diante dos meus olhos no meio de tudo isso, novas leituras e visões singulares que iam se construindo e se complementando, lindamente, diante dos meus olhos.
Uma das leituras que fiz no Medium, " What it Takes to be a Strong UX Researcher" escrita por Noor Ali-Hasan, conseguiu traduzir algo que que sentia trabalhando com UX mas que talvez nunca fosse conseguir verbalizar de forma tão linda:
I love a lot of things about my work as a user researcher — getting a small window into someone else’s life...
Fiquei muitos dias com essa frase na minha cabeça, "abrir uma pequena janela na vida de outra pessoa" e com ela vários filmes e cenas foram passando na minha mente lembrando das centenas de pessoas que pude entrevistar nesses últimos anos, suas histórias, seus pontos de vista, suas opiniões, seus problemas, o impacto que o negócio/o serviço/ o produto causa nas suas vidas.
Quando entramos em um projeto, não sabemos o que vai sair dessas "janelas", não podemos imaginar o que vamos achar a partir do encontro das pessoas, o que faz ser fantástico trabalhar com Experiência de Clientes/Pessoas Usuárias/ Pessoas Consumidoras. Temos a chance de gerar valor e insights para o negócio através de dados obtidos de entrevistas com clientes, que aqui passarei a me referir como PESSOAS.
Quando nos vemos diante de um novo desafio, é bem difícil ou quase impossível antecipar os rumos que aquelas conversas vão tomar. Por mais que tenhamos reunido os conhecimentos do time, nossas hipóteses, as dúvidas que queremos solucionar, teremos muitas surpresas pelo caminho que, muito provavelmente, nos farão modificar de rota. Isso é um fato.
E onde estou querendo chegar com toda essa introdução?
Quero compartilhar com vocês as minhas reflexões sobre o papel da ESCUTA no mundo do Design de Experiências.
Quando partimos para uma entrevista qualitativa, estamos diante de uma outra pessoa, aquele momento não é sobre nós, nossas percepções, nossas opiniões, nossas justificativas e tudo o que já sabemos sobre aquele negócio.
É preciso que você saia de cena e reconheça que existe uma outra pessoa e um universo que ela carrega dentro de si.
Sem aceitar a existência do outro, a comunicação não existe. Escutar o outro é dar importância para a sua existência.
É importante aquele momento de autorreflexão: estou chegando nessa conversa de coração aberto, como uma página em branco, livre para acolher os pensamentos dessa pessoa?
Essa pessoa irá compartilhar conosco qual problema tem enfrentado naquele tema de estudo, como interage com o produto/serviço, que tipo de questões o negócio tem ajudado a resolver, que possíveis problemas essa interação pode estar gerando.
Escutar é ter interesse. É chegar por inteiro, com abertura a outras visões e disponível para aquele momento.
Quando estamos entrevistando uma pessoa temos contato com estímulos desconhecidos, uma realidade totalmente distante e diferente da nossa e precisamos estar dispostos a adotar uma postura de aprendizado, quase como uma criança que está ouvindo aquele tema pela primeira vez.
Ir se dando conta desse papel é fascinante.
É deixar-se ensinar pelo outro, pela sua perspectiva, seu olhar e acolher o que está na cabeça dessa pessoa.
Estava lendo o livro "O Palhaço e o Psicanalista", de Christian Dunker e Cláudio Tebas e me deparei com essa frase: "Fazer da escuta uma "experiência" é deixar que as palavras e os corpos nos cheguem, nos afetem, nos atravessem."
Pausei, congelei! Quanta inspiração em uma só frase. Em uma temporada que tanto busquei sobre a escuta, surge esta frase no meu caminho: deixar que as palavras nos afetem, nos atravessem.
Uau.
Queria compartilhar com vocês olhares que tenho levado comigo em entrevistas:
1) Dizer SIM
Trago esse olhar das aulas de Palhaço Improviso que fiz com o Cesar Gouvea e aí vocês podem me perguntar e o que isso tem a ver com as entrevistas?
Trouxe aprendizados do improviso que sinto uma enorme conexão com UX, como por exemplo:
2) Atenção plena
Escolher estar presente na conversa, naquele encontro, com aquela pessoa, é como colocar o celular no modo avião (sim, por favor) e a mente também. Estar totalmente com foco naquele momento e com concentração nos leva a poder se aprofundar mais em algum tema trazido pela pessoa entrevistada ou perder a chance de abordar.
3) Não tente adivinhar o que significa aquele sentimento
Em algumas conversas, podemos ficar tentados a usar o nosso repertório para traduzir algum sentimento compartilhado conosco na entrevista. Vamos ficar de olho nessas situações, por exemplo, a pessoa entrevistada comenta conosco que faltou confiança na relação. Ao invés de interpretarmos confiança pela nossa bagagem, podemos pedir para que nos explique melhor, que nos dê um exemplo que demonstre ou perguntar de uma outra forma.
4) Humildade
Está tudo bem a gente perguntar, dizer que não entendeu, se a pessoa poderia nos explicar, se conseguiria nos dar um exemplo. Que a gente possa estar despreocupado de assumir que está na posição de buscar aprender sobre aquele tema, sobre aquele problema.
Acredito que o tom de voz aqui também é importante pra demonstrar que estamos buscando nos aprofundar e perguntando mais com respeito e humildade.
5) Coragem
Nem sempre iremos ouvir o que "gostaríamos" nas entrevistas ou nem sempre vai ser "agradável". Há momentos que encontramos uma relação cliente-empresa muito desgastada e que papel importante de escuta teremos nesse momento.
O nosso encontro com a pessoa entrevistada é o ENCONTRO DAS DIFERENÇAS e o RESPEITO com que lidamos com o que vivenciamos na entrevista/na nossa observação, as informações e os dados que foram compartilhados.
Escutar as pessoas usuárias, stakeholders e demais atores do ecossistema do nosso desafio, do nosso projeto com respeito e humildade nos leva o mergulhar no problema que vivem, conhecer melhor suas necessidades e a partir de todo esse aprendizado iremos gerar insights valiosos para que o negócio crie soluções centradas nas pessoas.
Acredito que o poder da ESCUTA estará presente no nosso 2021 e não deixará de ser uma tendência por muitos, muitos e muitos anos.