Formada em Sistemas de Informação e Mestrado em Ciência da Computação. Trabalha há mais de 10 anos na área de UX Design, sempre com o foco na Acessibilidade. Já deu aulas de programação para pessoas com deficiência visual e atua como voluntária na ADEVA. Atualmente coordena os cursos de UX na Alura.
Quando falamos sobre a acessibilidade, às vezes, colocamos o assunto como se fosse a responsabilidade de apenas uma pessoa. Sendo essa pessoa relacionada de algum modo com os testes de acessibilidade, na maioria dos casos, por conta do seu conhecimento do assunto. Porém, isso significa que se a acessibilidade fica como responsabilidade de apenas uma pessoa, quando ela não estiver mais disponível, todo o trabalho dentro da empresa pode se perder.
Se a Acessibilidade não é disseminada pela empresa, poucas pessoas conseguem colaborar com a melhoria e evolução do processo e com o desenvolvimento. Já foi relacionado em outros artigos que a acessibilidade não deve ser responsabilidade apenas de uma pessoa. Assim como outros requisitos de qualidade, eles devem fazer parte do cotidiano de todas as pessoas da equipe, como descrito no artigo “Acessibilidade web como responsabilidade de todo o time do projeto” ou nesse artigo “Quem são os responsáveis por aplicar a acessibilidade em projetos digitais?”
Apesar da acessibilidade precisar ser avaliada por uma pessoa, como já dito, o seu conhecimento deve ser compartilhado com todos. Dessa maneira, é possível com que cada pessoa possa aprender e aplicar sua parte do conhecimento de acessibilidade no seu trabalho do cotidiano, de acordo com suas atividades e funções.
Antes de começar a falar sobre responsabilidades, eu gostaria de nivelar algumas informações.
Dentre as várias definições para acessibilidade uma das minhas preferidas é a da W3C, presente no Fascículo 1 da Cartilha de Acessibilidade na Web, que diz que “acessibilidade na web é a possibilidade e a condição de alcance, percepção, entendimento e interação para a utilização, a participação e a contribuição, em igualdade de oportunidades, com segurança e autonomia, em sítios e serviços disponíveis na web, por qualquer indivíduo, independentemente de sua capacidade motora, visual, auditiva, intelectual, cultural ou social, a qualquer momento, em qualquer local e em qualquer ambiente físico ou computacional e a partir de qualquer dispositivo de acesso.”
O resumo dessa definição é de independente da localização, conhecimento, capacidades físicas ou intelectuais ou dispositivo, você consegue realizar a ação que você tem interesse no produto ou serviço online. Essa é a definição mais simples com relação do que entendemos com relação a acessibilidade, que vem normalmente relacionada ao produto pronto. Mas onde encaixar a acessibilidade no cotidiano de uma empresa?
A resposta ampla é que a acessibilidade está presente no cotidiano das empresas, mesmo elas não percebendo isso. Uma empresa que se preocupa com as pessoas iniciantes nas suas carreiras, que se preocupa com o feedback das pessoas que utilizam seu produto, que tentam fazer com que seu produto\serviço seja conhecido e consiga chegar em mais pessoas, de alguma forma, pensa em acessibilidade.
Para explicar melhor esse ponto, não estou falando sobre intenções. A empresa pode fazer isso simplesmente para as pessoas terem um bom ambiente de trabalho ou para não ganharem um processo trabalhista. Mas de certa forma, existe o conceito de acessibilidade relacionado com isso. Por exemplo, fazendo com que as pessoas iniciantes de desenvolvimento não se sintam excluídas e entendam o que está acontecendo no projeto para colaborar. Ou que a empresa aprenda com os feedbacks recebidos e melhore seu atendimento, produto ou serviço.
Então, se pensarmos na acessibilidade como algo existente dentro da empresa, nos seus processos e nas pessoas, a questão da responsabilidade muda totalmente para a ideia de que cada pessoa tem o seu grau de responsabilidade. A acessibilidade se torna necessidade tanto para um cliente interno, como a pessoa iniciante, quanto para um cliente externo, que será a pessoa que vai usar o seu produto\serviço.
Mas como fazer com que todas as pessoas da empresa saibam sobre acessibilidade e como ela influencia o seu cotidiano de trabalho?
Vou abrir um parêntese na minha narrativa para explicar sobre 2 papéis existentes nas empresas atualmente. Fazendo uma certificação para Product Owner eu entendi a diferença sobre POs e PMs e caso você não tenha lido artigos sobre o assunto eu vou falar um pouco sobre isso.
Scrum é um framework que trata em como criar produtos com agilidade. Ele não é uma metodologia porque ele não define o como fazer. Ele deixa isso aberto para que cada um use as técnicas mais interessantes para a sua empresa e sua organização. O papel do Product Owner (PO) faz parte do Scrum, com responsabilidade relacionadas aos requisitos, visão e o roadmap do produto. Fazendo com que toda a equipe de desenvolvimento crie o que é considerado o produto certo.
Já o papel do Product Manager (PM) não faz parte do Scrum. Ele é um papel criado pelo mercado sem uma definição específica sobre ele, no final cada empresa acaba empregando a definição de acordo com a sua necessidade. Mas de uma maneira geral podemos falar que ele gerencia o produto, mesmo quando não existe algo em desenvolvimento naquele momento. Diferente do PO que precisa que o produto esteja em um ciclo de desenvolvimento para trabalhar com ele.
Existem outros artigos interessantes que falam sobre isso como o “Gerente de produto vs. Dono(a) de produto (PM x PO)” e “Você sabe a diferença entre Product Manager e Product Owner?”.
Agora entendendo esses 2 papéis e suas diferenças, vamos relacioná-los com a acessibilidade.
Em um artigo do Marcelo Sales ele fala sobre o papel do Campeão de Acessibilidade ou Accessibility Champion, que possui características como:
No artigo Marcelo fala sobre que o Accessibility Champion seria como um Líder de um Capítulo (Chapter Leader), mas voltado para acessibilidade. Eu concordo com esse papel, principalmente quando pensamos que o líder observa as pessoas e se preocupa para que elas desempenhem melhor o seu papel. Ao mesmo tempo, se a organização não estiver separada em chapters ou trybes ou squads ou qualquer sub divisão de área, para quem fica a responsabilidade com relação a acessibilidade?
Pensando no contexto do produto, atualmente entendo que é necessário alguém com papel de liderança frente a questão da acessibilidade no produto. Alguém que decida quais as características de acessibilidade que serão adotadas nas funcionalidades. Observe se a visão do produto caminha junto com questões de acessibilidade. Identifique se as entregas do produto realmente entregam valor no aspecto com relação à acessibilidade. Que são todas atribuições características do PO nas empresas. Neste caso, podemos dizer que essa pessoa seria um Accessibility Product Owner, que ficaria responsável por incorporar a acessibilidade no cotidiano do produto.
Se uma equipe termina um produto, o PM sempre será o responsável por aquele produto. mesmo se ele não fazer mais parte do cotidiano da equipe de desenvolvimento. Caso existam problemas de acessibilidade futuros, novas atualizações de tecnologias assistivas ou melhorias necessárias para que o produto continue sendo acessível, tudo isso fica como responsabilidade do PM. Neste caso, podemos dizer que essa pessoa seria um Acessibility Product Manager, que ficaria responsável por garantir que acessibilidade se mantém no produto e que a empresa não mudou a visão com relação a isso.
Por que eu trouxe a questão do Accessibility Champion no começo?
Talvez ele não seja o melhor papel para sua empresa neste momento. Talvez você precise de alguém que defina com maior precisão e liderança como o seu produto deve ser para ser acessível. Por isso trouxe os papéis de Accessibility Product Owner e Acessibility Product Manager, que existem no mercado internacional.
Porque eu quero que você perceba que não é apenas uma pessoa que vai salvar a sua empresa ou o seu produto implementando maravilhosamente a acessibilidade. Muito provavelmente você vai precisar de um conjunto de pessoas, que entendam sobre as suas responsabilidade e itens técnicos, além do entendimento e aplicação da acessibilidade no seu contexto de trabalho.
Muitas pessoas de UX conversam comigo com dúvidas sobre como fazer para que a empresa ou sua liderança comece a implementar a acessibilidade nos seus produtos. Não é fácil fazer com que pessoas que não sabem de nada sobre acessibilidade entendam a sua importância e porque ela tem existir no produto. Mas e se a pessoa, que já entende de acessibilidade, for dona ou gerenciar o produto, o que impede de implementar a acessibilidade desde a sua base?
Isso significa que toda empresa vai precisar de um Accessibility Product Owner, de um Acessibility Product Manager e talvez até de um UX Accessibility que vão trabalhar juntos para fazer com que o produto seja acessível? Não. Essas pessoas podem existir em uma empresa, mas o fato delas trabalharem juntas não significa que o produto criado será acessível. Todas as funcionalidades do produto vão passar por esse PO? Ou por essa pessoa de UX? Se vão existir mais POs ou pessoas de UXs, como você sabe que o produto será acessível?
Podem existir pessoas especializadas em questões de acessibilidade, mas como falado anteriormente, isso não significa que ela deve ser a única na empresa. Todas as pessoas devem ter um conhecimento sobre acessibilidade e como implementá-la no seu cotidiano. Ao mesmo tempo, deve existir alguém responsável por negar uma entrega ou funcionalidade porque ela não está acessível, sendo esse um dos seus requisitos.
Hoje em dia, se alguém me perguntasse sobre como começar a implementar a acessibilidade na minha empresa eu daria a seguinte receita:
Algo só pode ser avaliado com relação a sua qualidade, se ela está presente desde o começo do processo. Nada surge como mágica e por isso a construção de uma maturidade de acessibilidade nas empresas é tão necessária.