Com mais de 15 anos na área de User Experience, tenho o propósito de humanizar relações e experiências. Trabalhando em diferentes mercados na Europa, América Latina e Brasil, tenho me empenhado em usar - e equilibrar - diferentes tipos de métodos para ajudar empresas a percorrer os melhores caminhos e alcançar seus usuários da maneira mais significativa. Sou a mãe do Vicente, apaixonada por meditação, professora e palestrante - atualmente aprendendo muito fazendo parte da equipe de Research do Nubank.
Quando esse artigo for publicado, o ano de 2020 ainda não terá terminado, mas já deveremos ter aprendido muito com ele, não é mesmo? Gostaria de convidar vocês a embarcarem comigo neste grande convite de pensar o futuro em meio (ou ao final) deste ano tão desafiador. Vamos?
Pra começar, antes de falar de futuro, quero compartilhar um dos maiores aprendizados relacionados ao design que tive (ou relembrei) em 2020: ele é um esporte coletivo.
E pode soar estranho tentar emplacar um pensamento coletivo para a disciplina de design em um momento que parece que muitas das palavras da moda nos levam para um caminho contrário. "Temos que ser generalistas", "cada dia que passa vemos mais vagas buscando profissionais unicórnios, que façam de tudo", "preciso aprender a fazer um projeto todo da pesquisa até a programação em apenas 1 semana", etc, etc, etc. Parece familiar?
Pois é. Mas ainda assim, acho que vale a pena pegar o remo e fazer a nossa parte para que o barco ande para o outro lado. Sim, vamos remar contra a correnteza. Vamos mostrar que o design é o fruto do trabalho de muitas pessoas, cada uma delas com sua "mochilinha" trazendo sua história, seu olhar e suas particularidades.
Mas por que fazer esse esforço de remar contra a correnteza? Porque só com olhares diversos conseguimos construir produtos e soluções para pessoas reais, que são diversas.
Lembram da famosa frase "o que seria do azul se todos gostassem do amarelo?". Pois é, estamos desenhando e construindo realidades amarelas. E fico feliz em ver que as pessoas estão começando a acordar para o fato de que a realidade é colorida. E que bom que é assim.
Uma vez eu tive a honra de trabalhar em uma consultoria que primava por esse olhar diverso. Em uma sala de reunião de qualquer projeto que eu participei durante os meus anos nessa empresa, era possível ver pessoas de nacionalidades diferentes, trazendo em suas "mochilas" não só experiências profissionais, mas de vida. O meu olhar de jovem branca brasileira se misturava ao do jovem negro de Gana e também ao do casal de colombianos. E juntos construímos produtos para grandes marcas internacionais.
E aqui, dentro do nosso gigantesco Brasil, quantos e quantos olhares podemos misturar? Convido cada um de vocês a imaginar quantas coisas temos feito partindo do pressuposto que todos realmente gostam do amarelo.
Mas existe a pesquisa. Sim, obrigada!
Se você trabalha em uma empresa que acredita e pratica pesquisa, agradeça - pois a realidade de muitos é bem diferente da sua, cheias de frases como "Não preciso ouvir os usuários, eu sei o que eles querem" (ou a famosa variação "nós é que devemos falar o que é melhor pra eles").
Mas não parem de ler ainda, porque mesmo quem trabalha nesta empresa que acredita e pratica pesquisa, muitas vezes está fazendo esse design de esporte individual, sem alguém pra lembrar que muitas pessoas não gostam do amarelo. E aí, meus queridos, mesmo fazendo pesquisa, acabamos recrutando sempre o mesmo tipo de usuário. Adivinhem qual? Sim, o que gosta de amarelo.
E assim o ciclo vicioso continua: pesquisando, desenhando, prototipando, desenvolvendo e colocando no ar produtos... amarelos!
Eu gosto muito de falar dessas "mochilas" que carregamos sempre com a gente. Elas são aparentemente invisíveis, mas cheias de peso, pois ali se encontram não só nossa carreira profissional (com as técnicas que aprendi, os projetos que trabalhei, as recomendações que me deixaram no LinkedIn), mas também nossa história de vida, escolhas que fizemos ou que fizeram por nós. E, mesmo sem querer, em cada momento da nossa vida, é nesta mochila que buscamos repertório para agir, dar uma opinião, calar ou falar durante uma reunião.
Quando a gente se esforça para criar (ou pelo menos fazer parte) de times que acreditam que o design é um esporte coletivo, começamos a ver as coisas ficarem um pouco mais coloridas. Conseguimos ver em uma sala de reunião (em um zoom, meets ou teams da vida) as pessoas interagindo e comentando coisas como "mas isso não funcionaria para aquela mãe que cria os filhos sozinha e não tem tempo para assistir todo esse video tutorial" ou "que tal a gente colocar outras pessoas nesse ensaio fotográfico que retratem melhor o nosso país?".
Pensar o design como um esporte coletivo implica ver que nem todo mundo sabe fazer a mesma coisa (eu, que não sou tão entendida de esportes, vou deixar cada um pensar no esporte coletivo que preferir: futebol, vôlei, basquete, handebol, etc.). Não tem como todo mundo em qualquer um desses esportes fazer exatamente a mesma coisa. E isso foi uma coisa que eu tive a honra de ver na prática no "esporte coletivo do design" este ano.
Hoje trabalho em uma equipe que, dentro deste recipiente enorme chamado design, é composta por ux researchers, ux writers e mil tipos de designers (product, motion, creative, etc.). Além do potinho de design, tem também PMs, PMMs, BAs, desenvolvedores, CIs e muito mais. Mexa toda essa sopa de letrinhas e cargos e, poxa vida, como é maravilhosa a sensação de estar em uma reunião com esses profissionais e aprender tanto com eles. Saber que o meu trabalho como researcher será muito, mas muito melhor pois carrega o meu olhar misturado com o olhar de cada uma dessas pessoas fantásticas.
Acredito, mais do que nunca, que o nosso trabalho é definido pelo talento de todos os times trabalhando juntos.
Será que alguém chegou a esse ponto do texto e pensou algo parecido com isso? Se é o seu caso, não precisa se sentir mal. Eu mesma já ouvi muitas pessoas reclamando que estão perdendo o tempo que deveriam estar entrevistando usuários, em reuniões intermináveis e se preocupando com o trabalho de outras áreas do time. Você pode substituir o "tempo que deveria estar entrevistando usuários" por "tempo que deveria estar fazendo telas", "programando" ou qualquer outra tarefa que preferir.
Mas queria deixar um convite aqui: experimentem olhar seus colegas de equipe como usuários. Sim, porque com os usuários temos toda a paciência e didática do mundo. Nos preocupamos em saber qual é a melhor maneira de fazer uma pergunta sem enviesar a resposta, sem que a pessoa se sinta desencorajada a compartilhar sua opinião.
Ouso dizer (sempre correndo o risco de estar errada) que fazer esse experimento tem grande potencial não só de melhorar seu relacionamento dentro da equipe, mas também de aumentar muito a qualidade do trabalho a ser entregue. Quem ganha com isso? Todo mundo: você, seus colegas de equipe, a empresa e o usuário final.
Quantas vezes ouvimos na nossa vida que ninguém nasce sabendo tudo, não é mesmo? E quantas vezes nós nos lembramos disso no nosso dia a dia? Arriscaria dizer que menos do que a gente precisa. Precisamos todos os dias cultivar uma postura de aprendizado contínuo. Em todas as áreas da vida. Aprender novas técnicas, novos olhares, novas receitas de bolo e até novas maneiras se relacionar em tempos de pandemia. E, no dia seguinte, começar tudo de novo.
Se unirmos essa postura de aprendizado contínuo a um olhar de conexão, acredito que seremos não só profissionais melhores, mas também melhores seres humanos.
O futuro - seja ele o dia de amanhã ou o ano de 2021 - ainda está todo para ser construído.
Acredito que 2020 nos ensinou que mais do que solitários, precisamos ser solidários.
E a solidariedade é também um esporte coletivo, assim como o design.
Não tem como praticar um esporte coletivo e continuar pensando no singular. Ou, pelo menos, não deveria (apesar de saber que muitos esportistas ainda continuam falando muito mais "eu" do que "nós").
Temos que fazer nossa parte.
Nossa parte para que nosso trabalho seja construído através do repertório de muitas "mochilas", com muitas cores, sotaques, experiências e olhares.
Só assim vamos conseguir entregar valor real para pessoas reais.
Pois pessoas reais possuem diferentes cores, sotaques, experiências e olhares.
A vida real é plural.