Negro, gay, de família nordestina e oriundo da periferia do Rio de Janeiro, Renato Paixão sentiu na pele os impactos da falta de acesso e pouca diversidade ao entrar no mercado de tecnologia. Formado em Comunicação Visual Design pela UFRJ, foi premiado em primeiro lugar na competição L'Oréal Brandstorm na categoria wildcard e trabalha com produtos digitais desde 2015. Ao longo de sua carreira teve a chance de trabalhar com marcas como Sesi, Prefeitura do Rio de Janeiro, UFRJ e Mercedes-Benz. Atualmente é Product Designer na Lambda3 e Diretor de Mentorias no PretUX, iniciativa que busca aumentar a inserção de profissionais negros na área de UX no Brasil.
Você se lembra de quando estava começando sua jornada e sentia que o design conseguiria mudar o mundo? Que através do nosso trabalho poderíamos conscientizar pessoas de causas importantes e frear injustiças sociais?
Sabemos que o design consegue mudar o mundo. Uber, Facebook e Instagram são prova disso. Novas economias, comportamentos e até doenças têm surgido por causa de ferramentas criadas por designers. Conseguimos mudar o mundo, só esquecemos de mudá-lo para melhor.
Não dá pra culpar ninguém. A vida é difícil, temos contas para pagar e sprints para fechar. Então entregar o melhor design para empresa e usuários com responsabilidade social pensando no impacto é um pedido e tanto. E como se o stress da vida normal já não fosse o suficiente, 2020 ainda aumentou a aposta jogando uma pandemia nos nossos colos.
Sim, 2020 está sendo um ano difícil. Sei que é chover no molhado dizer isso, mas em um mundo em que mais de mil mortes diárias não conseguem convencer pessoas a não irem para bares ou usarem máscaras, dizer o óbvio se faz necessário.
Para uma pessoa que cresceu gay, preta, na periferia do Rio de Janeiro e sempre à margem, foi impossível passar 2020 sem pensar na falta de empatia e compaixão no mundo. Por isso quando me perguntaram numa palestra qual eu esperava que fosse a maior mudança trazida pela pandemia de COVID-19, minha resposta foi muito sucinta: empatia.
Como designers, nosso arroz com feijão é a empatia. Nossa função é empatizar e entender as dores, anseios e necessidades de nossas pessoas usuárias e conectá-las com os objetivos de negócios das empresas em que trabalhamos. Isso é algo que fazemos muito bem. Vide os lucros astronômicos de empresas como Airbnb, iFood e Rappi.
Mas esse olhar puramente comercial gerou um incômodo que me fez recorrer à escrita. Esse ano falei sobre a importância da diversidade na tecnologia e sobre o elitismo na área de UX com a esperança de que minhas palavras pudessem despertar o mesmo incômodo e , possivelmente, ações.
Sempre estressei a importância de lembrarmos que não somos receptáculos estéreis ou robôs sem sentimentos e vieses. Que somos pessoas, que as interfaces que projetamos têm consequências e impactos que vão além da conversão ou o NPS.
Uma frase muito pertinente escrita pelo Fabricio Zillig diz que “Vivemos usando palavras e termos como Empatia, Design centrado no Usuário, Centrado em Pessoas, mas até que ponto isso baliza nossas decisões?”. O mundo está gradualmente se tornando dependente de novas tecnologias, o que torna nos mais responsáveis.
É importante pensarmos sobre como nós podemos ter um olhar crítico para as práticas que inevitavelmente acabam marginalizando e/ou explorando pessoas. E vão de coisas básicas como o uso excessivo de termos em inglês e acessibilidade até discussões mais profundas como o uso de dark patterns e a qualidade viciante de apps como instagram, facebook e outros.
É importante pensarmos criticamente quando ouvimos do CEO do Netflix (uma empresa que depende muito do design para performance) dizer que o seu “maior competidor é o sono”. Não sei vocês, mas quando ouço alguém dizer que a forma natural do nosso corpo de descansar, eliminar toxinas e reparar o seu funcionamento é um competidor, precisamos parar e pensar sobre o quão ético isso é.
Por exemplo, se você for um designer num app de relacionamentos, quais são as políticas e mudanças que a você implementaria ao descobrir que as pessoas pretas são preteridas? Você vira a cara e diz que "É questão de gosto e não racismo" ignorando o fato de que o padrão de beleza eurocêntrico é fruto do racismo ou pensa em soluções do ponto de vista do design para melhorar esse cenário? Quais mudanças você implementa?
Agnieszka Urbańska e Ewelina Skłodowska, UX Designers, chegaram a montar uma lista de perguntas que todo designer deve se fazer quando projetando:
Ter esses sete pontos em mente demanda que nós redefinamos o que entendemos por sucesso. Impacto social é algo que se mede no longo prazo, é um resultado não aparece no quarter e é muito mais focado na percepção do usuário do que nas métricas por nós estabelecidas.
Design, por natureza, traz mudança. É nosso dever como pessoas críticas e pensantes reconhecer o poder que temos em nossas mãos para conseguir empoderar pessoas que sempre foram negligenciadas.
Considere o impacto humano do seu trabalho e entenda essa posição única que nós temos. Pergunte-se se o que você está projetando representa bem as vontades e desejos da comunidade. Se cataliza união ou se causa alienação e segregação.
Ter essas perguntas em mente é ter uma intenção clara e agregadora que vai além da conversão ou de bater as KPIs. É uma boa forma de voltar para aquela visão que a gente tinha quando começou a estudar design e acreditava que conseguia mudar o mundo. Porque consegue.