Sou Potiguar, cursei Design Bacharelado na UFRN, com graduação sanduíche pela Carleton University (Canadá), e tenho cinco anos de experiência atuando como Product Designer em startups nacionais e internacionais.
Um olhar de uma designer nordestina sobre a contração de designers na indústria de tecnologia da informação no Brasil.
Vivemos um momento histórico único: pandemia, crise politica, econômica e estamos rodeados por incertezas. O que falar sobre o Design para 2021 em um cenário tão incerto? Diante de todas as dúvidas e especulações, uma coisa me parece certa: a pandemia impôs o trabalho remoto para muitas empresas, e ele parece ter vindo para ficar. Com isso, temos uma oportunidade sem precedentes de descentralizar a contratação de designers.
Sou nordestina, nascida em Natal-RN e formada em Design pela UFRN. Minha história é bem parecida com a de muitas pessoas que trabalham com design na área de tecnologia e que vieram para o sudeste atuar em uma startup. Posso te dizer com propriedade: ser designer no nordeste não é uma tarefa fácil. Temos um mercado escasso, a desvalorização da profissão e a falta de representatividade. Passei a graduação acreditando que para construir uma carreira sólida na minha área precisaria estar nesse eixo onde se encontram as faculdades e empresas renomadas. Cá estou.
Quando me mudei para São Paulo, fiquei impressionada com as oportunidades pipocando no LinkedIn, e até mesmo em rodas de conversa — Como assim eu poderia escolher onde quero trabalhar? O choque de realidade foi imenso!
Mas não poderia ser diferente. A maioria das empresas de tecnologia e capital de investimento se encontram no sudeste e consequentemente geram mais oportunidades de emprego nessa região, especialmente em centros tecnológicos como BH, RJ e SP.
Em março de 2020, após a Organização Mundial da Saúde declarar a pandemia do Covid 19, sofremos uma mudança na nossa relação com o trabalho, milhares de pessoas perderam seus empregos e uma parcela privilegiada da população migrou para o trabalho remoto. Para as empresas de tecnologia, essa transição foi mais suave e consequentemente mais bem aceita pelos funcionários. De acordo com a pesquisa "Covid-19 Consumer Study", do IBM Institute for Business Value (IBV), 52% dos brasileiros que participaram da pesquisa desejam continuar trabalhando exclusivamente em casa ou com idas ocasionais ao local de trabalho. Nesse novo cenário onde o presencial não é obrigatório, as oportunidades de emprego nas empresas de tecnologia não precisam mais estar centralizadas no sudeste.
Essa adesão ao trabalho remoto já está mudando a maneira como as empresas buscam profissionais. Na publicação "Coronavirus: How the world of work may change forever" para a BBC, Karin Kimbrough, Chief Economist no LinkedIn, afirmou que notaram 4x mais empregos remotos sendo ofertados globalmente, assim como o aumento da busca de candidatos por essa modalidade de trabalho. O uso do filtro “Remoto” no LinkedIn aumentou aproximadamente 60% desde março.
Esse movimento foi notório entre colegas de curso. Designers mudaram de empregos durante a pandemia e ainda não conhecem pessoalmente seus times, outros assumiram posições totalmente remotas. A descentralização geográfica do trabalho, principalmente em empresas de tecnologia, nos permite sonhar com uma nova realidade para o Design Brasileiro.
Sabemos que o design brasileiro ainda é muito elitista e a descentralização na contratação não resolve esse problema, é necessário um trabalho educacional para que nossa profissão se torne uma possibilidade para jovens de áreas periféricas. Mas, através do trabalho remoto, já conseguimos democratizar o acesso a vagas de emprego para diversos graduados em design pelo Brasil, o que me parece ser o início de uma mudança.
Para as empresas será necessário quebrar vieses no processo de seleção de pessoas. Muitas vezes recrutadores e líderes de design são atraídos por um estereótipo do bom designer: trabalhou na empresa X, frequentou a universidade Y, experiência internacional, etc. Para que essa mudança aconteça, além de ampliar o raio de recrutamento, as empresas precisarão repensar seus critérios e referências para avaliar profissionais com experiências mais heterogêneas.
E para nós, designers, vale refletir sobre o quanto estamos nos preparando para essa descentralização. A educação remota está se ampliando e amadurecendo. Hoje, é possível acesso a cursos ministrados em outras regiões sem precisar sair de casa, o que diminui o custo de formação para pessoas fora do principal eixo econômico do país. Mais do que nunca, nossas redes de influência e referências profissionais estão extrapolando o local através de eventos e comunidades virtuais, conectando pessoas de todas as regiões.
Por fim, a ascensão do trabalho remoto mostra que o design brasileiro não precisa mais estar fortemente centralizado nesses poucos pólos privilegiados. Os benefícios impactam produtos, empresas, profissionais e, principalmente, o desenvolvimento de outras regiões do país. Mas isso requer uma mudança de comportamento de designers, recrutadores e líderes de design para que possamos construir um Design Brasileiro cada vez mais diverso.
Mais de 50% dos profissionais brasileiros desejam manter o home office após a pandemia, aponta pesquisa IBM. Época Negócios, 2020. Disponível aqui. Acesso em: 25 Nov. 2020.
Coronavirus: How the world of work may change forever. BBC, 2020. Disponível aqui. Acesso em: 25 Nov. 2020.