Surda de nascença e designer há quase 15 anos e trabalha com UX há 10 anos. Pós-graduada em Gestão da Comunicação em Mídias Digitais e graduada em Design Gráfico pela SENAC SP. Atualmente trabalha como UX Designer na ThoughtWork, na área de Learning & Development. Também atua como representante de Transformação Social na mesma empresa. Idealizadora do projeto Atendo em Libras.
"E as pessoas surdas?"... "Como tem sido a experiência de pessoas surdas como usuárias?"... São perguntas que venho me fazendo ultimamente.
Eu poderia escrever sobre qualquer outro assunto relacionado ao design. Mas escolhi falar sobre os usuários surdos, pois percebo ser um assunto pouco explorado na comunidade de UX ainda.
Sob a perspectiva de uma designer surda, é difícil deixar de pensar ou me referir sobre assuntos relacionados a acessibilidade e inclusão, devido às dores, barreiras e desafios que vivemos diariamente na pele.
Na maioria das vezes, as barreiras presentes na sociedade são explicitadas por projetos que excluem involuntariamente diversos perfis de usuários.
Decidi escrever sobre esse tema com o objetivo de jogar luz sobre esse grupo, aparentemente desconhecido, incentivando comunicação com pessoas surdas, que também são usuárias, consumidoras. Surdos são seres humanos que trabalham, ganham remuneração, têm desejos, exercem o papel de cidadão, dentre vários outros papéis.
Estamos falando de quase 10 milhões de pessoas que declaram ter deficiência auditiva, segundo os dados do IBGE 2010. Destas, 344,2 mil entendem-se como surdas (pessoas que se identificam culturalmente como surdas e têm Língua Brasileira de Sinais - Libras como primeira língua).
A seguir, veremos alguns dos cenários que causam sofrimento cotidiano aos usuários surdos, no contexto digital:
- Interfone sem câmera na porta de casa ou na portaria de um prédio;
- Dificuldade em contatar algum estabelecimento de delivery, quando o pedido estiver muito atrasado ou vier errado;
- Falta de cursos online acessíveis que permitam aprimoramento pessoal/profissional nas diversas áreas de interesse;
- Conteúdos das redes sociais (YouTube, lives, stories, etc.) sem legenda ou tradução para Libras ou transcrição;
- Indisponibilidade de sistemas que permitam conversa via chat ou videochamada para agendar consultas médicas;
- Impossibilidade em contatar remotamente funcionários do banco para tirar dúvidas ou resolver serviços bancários;
- Falta de acessibilidade em locais como sala de espera de laboratórios de análises ou em clínicas, onde por exemplo, é usual chamar pelo número ou nome oralmente, sem apoio visual.
Pensando em alguns desses itens, que faz parte da vida das pessoas surdas, questiono, dentro do nosso papel enquanto designers: o que podemos fazer para eliminar essas barreiras?
De acordo com o documento sobre design inclusivo, elaborado pela Microsoft Design, a deficiência acontece nos pontos de interação entre a pessoa e a sociedade. A exclusão física, cognitiva e social são o resultado de interações incompatíveis. Como designers, é nossa responsabilidade saber como nossos projetos afetam essas interações e criam incompatibilidades.
Este mesmo documento afirma que os pontos de exclusão podem nos ajudar a gerar novas ideias e projetar inclusivamente. São oportunidades de criar soluções com utilidade e elegância para todas as pessoas. Também é necessário considerar o design inclusivo nas tecnologias emergentes.
Segundo a designer Kat Holmes, os momentos de transição tecnológica possibilitam projetar novos modelos que garantam que não gerarão exclusão. Ao não considerar a importância da inclusão no cerne da era da inteligência artificial, corremos o risco de ampliar um ciclo de exclusão em grande escala.
Embora a inclusão e acessibilidade sejam bastante utilizados nos discursos, ainda não vivenciamos esses conceitos na prática.
Kat Holmes traz à tona um ponto importante: devemos ampliar a definição de design e designers. Devemos nos perguntar "quem estou excluindo?" e permitir que as respostas mudem nossas soluções.
Compartilho da mesma opinião dela de que acessibilidade, sociologia e direitos civis deveriam ser disciplinas obrigatórias em nossa formação para construir tecnologias, afinal não aprendemos formalmente sobre inclusão e exclusão em cursos.
Para projetar pensando em atingir o máximo possível de pessoas, temos que nos conscientizar de que todos nós temos o direito de estar incluídos. A diversidade deve estar contemplada nos projetos de design, reconhecendo as diferentes necessidades e minimizando as exclusões.
Para sair de "bolha" em que vivemos, é preciso observar, escutar e compreender as pessoas com perspectivas diferentes das nossas. Somente nesse processo poderão surgir potenciais de criar produtos/serviços acessíveis.
Mesmo que o recorte de pessoas surdas venha ganhando visibilidade ultimamente, vale ressaltar que é importante entender que há também uma diversidade dentro da comunidade surda. Por exemplo, há surdos oralizados que optam por se comunicar somente em Português falado, enquanto há outras pessoas surdas se comunicando prioritariamente em Libras. Também há outro grupo que são surdos que são bilíngues, usando tanto Libras quanto Português escrito diariamente em sua comunicação.
Diante dessa conscientização sobre a diversidade humana e, portanto, surda, torna-se mais nítido o que deve ser projetado para os serviços ficarem mais acessíveis e usuais na jornada das pessoas surdas.
Para buscar entender melhor as necessidades das pessoas surdas e lhes projetar soluções acessíveis, seguem algumas orientações que podem ajudar:
Mesmo que este texto esteja focado em um recorte, também gostaria de convidar para refletirmos juntos e avaliarmos como estamos trabalhando no design. Nosso design está voltado para todas as pessoas ou tem sido exclusivo? Que nós, os designers, questionemos o status quo, olhemos a nossa formação, pensemos de forma sistêmica, observando o impacto de nossos projetos nas pessoas e no ecossistema, que podem colaborar efetivamente na construção de um mundo melhor. Vamos nessa?
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