Larisa Paes de Lima é designer de formação, especialista em Comunicação Empresarial e mestre em Design pela Escola Superior de Desenho Industrial da UERJ. Ao longo de mais de 10 anos de carreira, atuou em grandes empresas (Philips, Gama Italy, Liz, Hypermarcas, John Deere), e dentre segmentos distintos como: tecnologia, entretenimento, moda, varejo, agricultura. Durante o mestrado, criou e analisou jogos exploratórios de design, conduzindo experimentos de codesign em uma biblioteca pública carioca (MAR), como parte de um projeto de colaboração entre o laboratório escandinavo CODE (Codesign Research Center, KADK, Dinamarca) e o LaDA (Laboratório de Design e Antropologia, ESDI-UERJ, Brasil). Nos últimos anos, tem se dedicado aos temas de inovação, UX research, jogos, tecnologia, antropologia, sustentabilidade e design estratégico. Atualmente lidera o time interdisciplinar de UX Research do iFood, e ministra a disciplina “Pesquisa com Usuários” na pós em Design de Interação da PUC Campinas.
Pensar e fazer Design não foi sempre igual ao longo dos anos. A pesquisa no campo da Inovação então, menos ainda. Por isso, é inviável puxar esse papo sem um olhar historicista amplo, que leve em consideração inclusive o movimento da sociedade. É por isso que neste texto, esta pesquisadora que vos escreve vai trazer algumas referências do passado, do presente, e também de futuros - possíveis, que é o que mais nos importa refletir nesse momento tão crucial pré 2021, certo? :)
Sabemos que as Revoluções Industriais trouxeram o advento de um mundo cada vez mais globalizado, onde as sociedades têm passado por transformações econômicas, sociais e culturais que demandam uma releitura contínua acerca dos modos de produção, do uso de tecnologias e de seus possíveis impactos a todos nós. Tal fato tem sido um tema de estudo recorrente do campo de conhecimento referente à Política Científica, Tecnológica e de Inovação, o qual, interdisciplinarmente, se dedica a compreender e teorizar questões a respeito de governança, direcionamento, retórica e impactos das ciências, tecnologias e inovação na sociedade. Ao mesmo tempo, a ciência tecnológica e a inovação são temas também especialmente importantes para o Design enquanto ciência social aplicada, visto o papel que nossa área tem exercido ao longo dos anos projetando e instrumentalizando a vida artificial (Simon, 1996).
O Design, seja em sua concepção histórica a partir da lógica industrial centrada no produto (Simon, 1996; Buchanan, 1995) até sua vertente centrada no usuário (Don Norman, 1986; Sanders & Stappers, 2008), é um campo do conhecimento com raízes intrinsicamente interdisciplinares, e de perspectiva projetual inerentemente integradora. Ou seja, o projeto de Design não somente possui princípios norteadores provenientes de áreas como as Engenharias, Ciências Sociais, Artes e Psicologia, como também abarca o conhecimento tácito dos chamados “usuários” de seus produtos, valorizando a importância da experiência humana. Design mais do que uma mera perspectiva orientada pela estética, é um pensamento projetual estratégico frente a uma situação-problema (o famoso "problem oriented").
Dessa forma, sabendo que UX designers projetam experiências com o objetivo de mudar situações existentes (problemas) para situações preferíveis (alternativas); à todos envolvidos com a área estratégica de UX cabe também a função de lidar com a complexidade dos chamados “problemas capciosos” (wicked problems, Rittel & Webber, 1973). No Design, problemas capciosos são “problemas do mundo real em que se reconhece a complexa interdependência de diversos fatores e partes interessadas, os quais requerem mais do que simples abstrações lineares de causa e efeito que isolam o produto do design de seu contexto” (em Buchanan, 1995, p. 14).
Para tornar mais claro, a Figura 1 reúne algumas das principais características desse tipo de problema:
Além disso, convêm termos em mente que o Design é uma disciplina da invenção, e por isso sempre se diferiu das ciências da natureza, onde um objeto de estudo está definido e a sua investigação ocorre com o objetivo da descoberta. No Design, o objeto de estudo não é fixo, e a pesquisa pode seguir caminhos exploratórios. Tal inexatidão caracteriza o Design como uma disciplina que se preocupa com assuntos que admitem resoluções alternativas, sendo que a natureza essencial do design exige que tanto o processo como os resultados estejam abertos para debate e discordância (Buchanan, 1995, p. 24 e 25).
Sendo assim, em um mundo cada vez mais conectado, onde as sociedades são heterogêneas e as vozes são múltiplas, faz sentido que o campo do design esteja em constante evolução, e que se ocupe de pensar caminhos mais coletivos e colaborativos para se “fazer design” junto a múltiplos atores. Além disso, o processo criativo do Design tem sido cada vez mais requisitado por suas características inventivas, holísticas e sistêmicas. É cada vez mais comum encontrar designers em Centros de Inovação, instituições públicas, start-ups e na indústria, por exemplo, com objetivo de facilitar processos de inovação e de estreitar a relação entre os atores que fazem parte destes processos.
E a pergunta que não quer calar é: estamos realmente buscando inovação de maneira colaborativa com as oportunidades de interação que temos atualmente?
Em seu artigo “Conceitos de Ciência e a Política Científica, Tecnológica e de Inovação”, Lea Velho (2011) argumenta que os instrumentos e as formas de gestão sobre as quais se planeja ou se coloca em prática novas tecnologias e inovação estão intrinsicamente relacionados aos paradigmas científicos vigentes em uma determinada sociedade. Ou seja, se por um lado pode ser natural que a implementação de novas tecnologias e a lógica científica vigente estejam em constante tensão por conta de disputas sociais, por outro lado viabilizar a participação de atores diversos pode também suscitar ou influenciar o estabelecimento de novos paradigmas.
Desse modo, é possível que a maior contribuição do Design em relação ao campo da Ciência Tecnológica & Inovação nesse momento seja o de difundir e desmistificar práticas colaborativas com os chamados usuários desses produtos e tecnologias. Em outras palavras: existe uma oportunidade em 2021 para que nós - profissionais de UX - experimentemos cada vez mais metodologias e práticas para “fazer design com” pessoas e instituições em contextos e situações emergentes; simplesmente como uma proposta para superarmos e transcendermos o paradigma anterior de “fazer design para” um público passivo.
Sendo assim, este texto nada mais que inicia uma discussão breve (pois 1200 palavras é bem pouco para um assunto desses), e tem como objetivo incentivar a utilização de mais e melhores ferramentas colaborativas para se repensar os meios de participação das partes interessadas na geração de novas tecnologias e inovação, com foco inicial em processos ditos abertos. Nos ancorando nos saberes do Design, da Antropologia, da Psicologia, do IHC, da Economia e de tantas outras áreas poderemos, finalmente, nos ocupar de encontrar meios para projetar junto de múltiplos atores.
Mais ainda, que Design 2021 venha como um convite a uma nova abordagem à inovação - na qual pessoas voltam a fazer parte das situações como sujeito ativo (Jasanoff, 2003). Se por um lado se observa a intensificação de uma crise crescente em torno de modelos de inovação tradicionais, de outro, se reconhece que é frutífero trazer partes interessadas para se pensar coletivamente Produto, Inovação e Design. Essa é uma questão que já foi além de se deveríamos trazer outras partes para esse debate, pois atualmente o desafio é de fato viabilizar como promover e mediar a contribuição das partes.
“Nesta nova concepção de ciência que ainda toma contornos, não se nega que os pesquisadores tenham papel destacado, mas reconhece-se a participação de múltiplos atores, associados em redes de configuração variável [...]. Admite-se até mesmo a contribuição de grupos locais numa ecologia de práticas e saberes (Santos, 2003). O conhecimento se faz de forma predominantemente interdisciplinar e se dá nos locais mais variados.” (VELHO, 2011, p. 146)
Sejamos nós, então, os profissionais de UX, aqueles que se comprometerão em trazer para a prática essa mudança de paradigma que viabiliza a inclusão de mais atores (partes realmente interessadas) no processo de inovação e design. Quem sabe assim, um dia, a gente possa ir além da famigerada pesquisa de jornada do usuário, para então explorar e usufruir cada vez mais de pesquisas de cocriação com a colaboração ativa dos usuários.
Referências bibliográficas
BUCHANAN, Richard. Rethoric, Humanism and Design. In: BUCHANAN, Richard; MARGOLIN, Victor. (Eds.). Discovering Design. Explorations in Design Studies. Chicago and London: The University of Chicago Press, p. 23-66, 1995.
JASANOFF, Sheila. Technologies of humility: citizen participation in governing science. Minerva 41: 223–244, 2003. © 2003 Kluwer Academic Publishers.
NORMAN, Donald A.; DRAPER, Stephen W. User Centered System Design: New Perspectives on Human-Computer Interaction. USA: L Erlbaum Associates Inc. Hillsdale, 1986.
RITTEL, Horst W. J.; WEBBER, Melvin M. Dilemmas in a General Theory of Planning. Source: Policy Sciences, Vol. 4, No. 2 (Jun., 1973), pp. 155-169
SANDERS, Elizabeth B. N.; STAPPERS, Pieter Jan. Co-creation and the new landscapes of design. CoDesign International Journal of CoCreation in Design and the Arts. Volume 4, 2008 - Issue 1: Design Participation(‐s).
SIMON, Herbert. The Sciences of the Artificial. 3ª Edição. The MIT Press. Cambridge, Massachusetts, 1996.
VELHO, Lea. Conceitos de Ciência e a Política Científica, Tecnológica e de Inovação. In Sociologias, Porto Alegre, ano 13, no 26, jan./abr. 2011, p. 128-153.