Paulistano com sotaque mineiro, 33 anos, Publicitário e Designer por formação. Nos últimos anos trabalhei em empresas como Casar.com, NZN e para grandes marcas como Microsoft, Samsung, Vogue, Caixa Seguradora, Udacity e Yahama.
Se o design é projetar algo mesclando forma e função ao solucionar um problema, projetando com ação e não apenas pensamento, nos tornamos responsáveis pelos projetos que colocamos no mundo, certo.
2020 foi um ano atípico para todos nós. E nele aproveitei para tirar algumas leituras do armário, dentre elas o Livro Ruined by Design: How Designers Destroyed the World, and What We Can Do to Fix It escrito por Mike Monteiro. O assunto deste livro me chamou bastante atenção e a sua leitura é mais do que necessária para você entender com mais profundidade o assunto que irei abordar.
Mike afirma que "Antes de ser designer, você é um ser humano. E como todo outro ser humano no planeta, você faz parte de um contrato social".
Então, ao escolher ser designer, você escolhe impactar as pessoas que entram em contato com o seu trabalho e com as suas ações você pode ajudá-las ou prejudicá-las diretamente ou indiretamente. Por isso, o efeito daquilo que você coloca no mundo deve sempre ser um ponto focal do seu trabalho e designers não podem se isentar disso.
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Imagine que você está trabalhando no time de design de um aplicativo de mobilidade urbana e você é responsável por projetar a interface de identificação do passageiro.
Por definições das regras de negócio1, essa identificação deve mostrar ao motorista todos os dados do passageiro como a foto, o nome, o e-mail e telefone. Além disso, deve conter botões para aceitar ou recusar a corrida.
Com algumas informações na mão você desenhou o protótipo e foi testar com os motoristas. Nesse teste descobriu que para os motoristas seria muito bom se na identificação do passageiro aparecesse também o local de partida e de destino. Então você acrescentou essas informações, enviou para desenvolvimento e a interface de identificação foi para o ar.
Algumas semanas depois você começou a receber feedbacks positivos sobre a interface, os motoristas estão te agradecendo por se sentirem mais seguros, pois agora eles sabem o destino da viagem antes mesmo de aceitarem a corrida. Você encerra o projeto e parte para um novo desafio.
Alguns meses depois o volume da métrica de cancelamento de corridas começa a te chamar a atenção e você nota que nos horários noturnos e próximos a áreas periféricas onde se tem menor movimento, há uma grande quantidade de corridas sendo canceladas sem apresentar nenhum motivo aparente.
Os passageiros incomodados com a recorrência dos cancelamentos começaram a reclamar nas redes sociais. E algumas dessas reclamações começaram a apresentar um padrão. Todos os usuários que estão reclamando são pretos ou pardos, moram próximos ou nas áreas periféricas e em seus históricos de viagem eles sempre pedem a corrida tarde da noite.
Uma das principais hipóteses nesse exemplo é que apresentar as informações do passageiro e o seu destino antes de iniciar a corrida faz com que os motoristas tenham um viés2 preconceituoso sobre o passageiro, o local de partida e o destino.
Como designer, você poderia ter identificado esse problema?
Meu propósito não é responder essa pergunta e sim tentar gerar uma reflexão sobre quais os impactos que estamos causando na vida das pessoas e por que nós deveríamos ser mais responsáveis ao projetar produtos e serviços digitais.
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Não podemos negar que a tecnologia mudou a maneira como nós interagimos com o mundo. E vários dispositivos nos conectam a uma infinidade de conteúdo e comunicação instantânea ao mesmo tempo que produzem novas formas de destruição como o Cliquetivismo3.
Há poucos meses atrás documentários como Privacidade hackeada e O dilema das redes trouxeram para o debate questões como disseminação de notícias falsas, manipulações e a polarização política nas redes sociais. Nos fez repensar sobre o preço que estamos pagando pelo uso excessivo das redes sociais, privacidade e ética.
Como designer, acredito que o design em si não é responsável pelos efeitos negativos da tecnologia na sociedade, mas de certa forma somos cúmplices.
Você não acha estranho que o mesmo autor que nos ensinou como construir produtos e serviços formadores de hábitos, agora nos ensine a dominar a nossa atenção e assumir o controle das nossas vidas?
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Nós precisamos temer as consequências de nosso trabalho mais do que amar a sagacidade das nossas ideias. – Mike Monteiro em "Ruined by Design: How Designers Destroyed the World, and What We Can Do to Fix It".
Quando um produto é projetado sem considerar e entender todos os seus contextos podemos acabar atuando de forma irresponsável com as pessoas que usam.
Quer ver um exemplo real? Dias atrás eu estava navegando pelo instagram quando me deparei com um story que tinha a seguinte mensagem:
"Trabalhei a semana passada toda para ganhar R$ 87,00 e ainda tive que pagar R$ 47,00 para o aplicativo porque o cliente, que recebeu o pedido das minhas mãos, reportou para o aplicativo que não recebeu o pedido. O aplicativo não me ligou para saber de nada, simplesmente tirou o dinheiro."
Momento EMPATIA…
Obviamente eu nem acho que isso foi esquecido de forma intencional, mas ainda assim criei duas hipóteses do que pode ter acontecido. São elas:
Consegue perceber o impacto de uma decisão de design?
PARA NOSSA ALEGRIAAAAA, nesse caso o time de design responsável pelo aplicativo conseguiu corrigir esta falha "se assim podemos chamar" – e agora, na entrega do pedido, tanto o cliente quanto o motoboy precisam informar um código.
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Para finalizar, eu gostaria que você entendesse que a responsabilidade não é um luxo que podemos acrescentar aos projetos, assim como não é um fardo que você precisa carregar, pois o próprio ato de criar já terá efeitos intencionais que não poderão ser previstos ou compreendidos com antecedência e a reação das pessoas nunca será inteiramente previsível.
"Design, no fim das contas, é isso: uma série de decisões que vão ter impacto na forma com as pessoas experienciam nossos produtos e serviços – para o bem ou para o mal."
Por isso, é importante tentarmos fazer melhor do que temos feito até agora. Porque se essa responsabilidade não for minha e não for sua ela não será de ninguém.
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1 Regras de negócio são declarações que irão descrever como determinadas operações devem ser realizadas para guiar o comportamento e definir o que, onde, quando, porque e como algo deve ser feito em uma empresa.
2 Viés ou tendência é um peso desproporcional a favor ou contra uma coisa, pessoa ou grupo comparado a outro, geralmente de uma maneira considerada injusta. Os vieses podem ser aprendidos ao observar contextos culturais.
3 O termo cliquetivismo (em inglês slacktivism do slack, preguiçoso, e activism, ativismo) é um neologismo que criado em 1995 que significa ativismo preguiçoso. E apesar de ter sido criado como uma conotação positiva, atualmente ele é usado para designar ações e campanhas com pouco ou nenhum resultado efetivo em que as pessoas participam apenas para mostrar engajamento, buscar uma identidade ou aliviar consciência ou culpa, apesar de essa admissão não ter sido deduzida pela investigação.