Orgulhosamente LGBTQIA+ 🌈, maceioense, ciclista, lindy hopper, baseado em São Paulo, formado em Design pela UFPE-CAA.
Ao me aproximar pessoalmente ao contexto de liderança de times de design, algumas reflexões estão fritando na minha cabeça desde então. Consigo enxergar a comunidade de design aberta e curiosa para o debate de tópicos técnicos, extremamente importante em um mercado que valoriza cada vez mais o olhar para as pessoas clientes e seu impacto real no crescimento em escala de um produto digital. As pessoas a frente de um time de design finalmente começam a enfrentar cobranças e desafios diferentes dos problemas enfrentados junto aos times de tecnologia e produto.
Porém, sinto que utilizamos nosso repertório enquanto designers de maneira limitada ao não explorar esse mesmo conceito em outras áreas de atuação profissional (e por que não dizer também pessoal?). Aqui, quero refletir sobre essas responsabilidades atreladas à liderança de pessoas, sua relação com o design e a necessidade de um espaço seguro para o desenvolvimento técnico e profissional de indivíduos, produtos e serviços.
Ao liderar pessoas com o foco em um bem comum - impactar positivamente pessoas - para o negócio, torna-se primordial uma visão completa e generalista da jornada de uma pessoa cliente. Momentos que variam desde a captura de um perfil até o uso e desistência dessa pessoa do produto. Com um foco muito além da interface, um conceito atrelado ao design se destaca: comunicação.
Enquanto designes, somos estimulardes a olhar a relação de nossos produtos e features do cliente para dentro, e não tanto da relação holística que o produto desempenha no contexto a qual está inserido. Rafael Cardoso em Design Para Um Mundo Complexo já chamava nosso olhar generalista para as inúmeras dependências que artefatos possuem com a evolução da tecnologia e sua relação com a sociedade.
O mundo atual é um sistema de redes interligadas; e a maior rede de todas é a informação. Ignorar esse fato, ou posicionar-se contra ele de modo reativo, serve apenas para minar qualquer possibilidade de mudar o sistema. (Rafael Cardoso)
Como as pessoas estão sendo impactadas nas diferentes jornadas dentro do seu produto? Como você e seu time validam a efetividade dessa comunicação e a qualidade dessa informação? Clientes conseguem desenvolver com autonomia seus desejos de acordo com a comunicação recebida dentro e fora do seu produto?
Enquanto líder, busco compreender as inúmeras dependências que os sistemas (eletrônicos e sociais dentro de uma organização) possuem para encontrar sugestões que consigam ser refinadas e validadas constantemente.
As principais metodologias de design que provaram ter impacto positivo nas organizações foca principalmente no diálogo recorrente com pessoas. É a partir dessa relação que torna-se possível o entendimento de problemas reais que podem ser motores de inovação.
Aqui observo um diálogo importante que precisamos desenvolver: como designers encaram a dominação e controle do conhecimento técnico de design e como isso pode ou não desenvolver uma estrutura hierárquica de poder entre designers, clientes e demais profissionais envolvidos. Há um debate extremamente necessário feito pelo grupo de estudos Design e Opressão que relacionam práticas coloniais aos processos de design, desde sua criação até sua aplicação no dia a dia de um time ou organização.
Precisamos lembrar que metodologias não são lineares, como receitas de bolo, e que fatores como contexto, pessoas envolvidas, fatores socioeconômicos definem não apenas o resultado do nosso trabalho, mas também como podemos SER e AGIR enquanto individuos em um desafio profissional, seja dentro do time como em uma etapa de cocriação por exemplo. Ao estar inserido eu um novo contexto afim de entender problemas e propor soluções viáveis, designers não serão as 'pessoas salvadoras' com as 'respostas certas' principalmente se esse novo contexto for distante da vivência por elas experenciadas.
Crescemos e vivemos em uma sociedade pautada em diversos conceitos datados onde o sonho do oprimido é ser o opressor – conceito do educador e filósofo brasileiro Paulo Freite. Gerir pessoas não foge dessa dinâmica. A cultura de que ambientes corporativos são hierárquizados numa estrutura semelhante se relaciona com o senso comum de gestão amplamente replicado no mercado de trabalho. Analistas que respondem as pessoas gestoras, que respondem as pessoas diretoras, etc.
Acredito que a real liderança ocorre quando possibilitamos a ruptura desse modelo e damos espaço para que as pessoas lideradas encontrem meios e conforto para análise e desenvolvimento de soluções. Indiferente do espaço, se em um time multidisciplinar ou entre pares, a necessidade do olhar da liderança com as pessoas lideradas deve facilitar e remover qualquer tipo de impedimento para que ações como essas aconteçam. Particularmente, não acredito em modelos de liderança que fogem desse padrão.
Design como metodologia nos permite conhecer, explorar, refinar e propor mudanças materiais em produtos e serviços. Ter a posse dessas metodologias nos garante uma enorme responsabilidade, como já comentei anteriormente. Quanto maior e mais refinada forem essas metologias e processos, mais efetivo pode ser a descoberta e a validação de uma solução.
Aqui entram ritos de Design Critique, design system estruturado como produto, envolvimento entre áreas de operação, atendimento e tecnologia entre outras ações relevantes que podem ser estruturadas, utilizadas e evoluídas com os perfis envolvidos. Estrutura essa que não se aplica exclusivamente ao contexto de experiência de clientes, mas também da experiência de colaboradores do produto e/ou serviço para dentro. Testes automatizados em QA, facilidade e velocidade em processos de deploy, agilidade na comunicação com clientes por diferentes canais, etc. Exemplos como esse podem motivar as pessoas colaboradoras do negócio e garantir o crescimento saudável em escala de um produto ou serviço.
Como já foi dito anteriormente, designers não possuem as respostas dos problemas de uma empresa. Sempre defendi a capacidade do design, enquanto técnica, em facilitar grupos no entendimento de um cenário, análise desse contexto, exploração de soluções até a escolha de uma possível caminho. O mercado sempre olhou com bons olhos perfis generalistas que conseguem atuar em diferentes frentes, porém, mesmo assim, não trabalhamos (e não podemos trabalhar) de forma solitária.
É com a vivência e opiniões de outras pessoas que mais cenários são analisados, soluções são criadas e validadas. Porém, minha teoria é que trabalho colaborativo acontece de fato em ambientes seguros. Se uma pessoa não se sente a vontade em comentar, sugerir, criticar algo, a colaboração não acontece como desejado. Você se sente confortável em questionar a decisão de alguém que você não tem intimidade ou não te dá libertade e espaço para a crítica?
Inúmeras variáveis podem acontecer para impedir com que as pessoas de um time se sintam inseguras no ambiente de trabalho: hierarquia, burocracia, violência psicológica, preconceito, saúde mental... Vejo aqui um excelente caminho que liderança deve agir e criar acionáveis em seu backlog, acompanhando caso a caso. Ouvir atentamente o que está sendo dito e questionar-se como ajudar a solucionar os problemas no ambiente de trabalho (e por que não também fora dele?) pode ser um bom caminho. Fortalecer esse elo entre as pessoas lideradas é essencial para o entendimento da raiz causa de um problema.
Ritos que estimulem críticas e cocriação entre designers mas também entre áreas e especialidades fará com que seja cada vez mais fácil focar nas pessoas que utilizam um produto e conhecer atuais problemas afim de propor melhorias em conjunto.
A impressão que eu tive ao refletir sobre isso foi que nada disso parece novo se você trabalha com design nos últimos 10 anos. Porém, o lembrete de que continuamos designers em outros ambientes e desafios pode nos ajudar indiferente do cenário no qual nos encontramos. Esse é um lembrete que sempre me esforço para ter.
Espero que possamos continuar estourando a bolha do design e utilizando esse olhar de forma anticolonial em ambientes corporativos e fora deles.