Há mais de 15 anos atua no mercado de design, hoje com foco em experiência do usuário. Desde 2011 trabalha como freelancer e consultora de UX em projetos digitais - é palestrante, Sprint Master Certified pelo Google e participa de comunidades Google para mulheres e também para startups.
Desde o lançamento da série The Social Dilemma muitas pessoas se interessaram pela junção de dois temas que não costumam aparecer em muitas discussões: Ética e Tecnologia.
A primeira vez que me deparei com o assunto foi em 2018 e desde então tenho estudado e apresentado palestras que tiveram ótimos feedbacks. Um dos motivos da minha vontade de entender mais sobre o tema é a complexidade de sermos consumidores e desenvolvedores destas tecnologias. O quão conscientes estamos sobre os produtos e serviços que consumimos? E sobre os produtos e serviços que desenvolvemos? Nosso consumo afeta a nossa produção?
Para iniciar o tópico, gostaria que você respondesse duas perguntas: qual foi a última coisa que você fez antes de dormir? E qual foi a primeira coisa que você fez ao acordar? Provavelmente verificar o celular esteve nos primeiros e últimos minutos do seu dia.
Se você já percebeu esse comportamento, tentou mudar seus hábitos e não conseguiu, saiba que você não é completamente responsável por esse impulso. Hoje vivemos o que alguns chamam de era da "Economia da Atenção", em que os produtos e serviços não competem apenas entre eles numa concorrência direta pelo nosso dinheiro, mas competem pelo nosso tempo utilizando esses produtos e serviços.
Esses produtos e serviços possuem algoritmos muito bem desenvolvidos - como Tristan Harris diz “é como se estivéssemos jogando xadrez com um super computador apontado para nossos cérebros", que nos fazem retornar e identifica que tipos de conteúdos seremos mais propensos a continuar vendo ou que tipo de produtos seremos mais propensos a comprar. Um exemplo é o tráfego do Youtube: em 2018 o CPO disse que 70% do que um usuário vê na plataforma são indicações de sua inteligência artificial.
Pode parecer que todos esses grandes aplicativos de sucesso descobriram a fórmula mágica para atrair e reter usuários, mas muitos deles usam o "Modelo Anzol" descrito no livro do Nir Eyal "Hooked: Como criar produtos criadores de hábitos", que consiste em 4 passos.
O primeiro é o Gatilho que pode ser interno - como um sentimento como tédio, que te leve a fazer algo - ou externo, como um email ou uma notificação. Depois vem a Ação, que deve ser uma ação que não precise de grandes esforços para ser feita, como um simples login ou o clicar de "compartilhamento". Após a ação, vem a grande chave deste modelo, que é a "Recompensa Variável" - essa recompensa - que pode ser receber um like, ver que alguém te compartilhou, um novo email, etc. - deve satisfazer os gatilhos, mas tem que fazer com que a pessoa queira mais e, por último, o Investimento, que é outra pequena ação que vai fazer retornar ao início, uma antecipação a uma recompensa futura - neste momento, a pessoa foi “fisgada”.
O exemplo do modelo anzol do Facebook e do Pokemon Go:
Nós, como designers, podemos desenvolver novos produtos e serviços pensando além destas regras criadoras de hábitos - muitas, que percebemos hoje em dia, que são até prejudiciais.
No meu entendimento, a chave para um consumo digital melhor é a consciência de uso, e a chave para o desenvolvimento de produtos e serviços mais éticos é desenvolver para que estes sejam usados com intenção.
Nesses últimos anos, ótimos conteúdos começaram a ser produzidos - além de matérias, entrevistas, livros e podcasts, os que mais me chamam a atenção são princípios e ferramentas que ajudam a criar novas maneiras de desenvolver, a pensar nessa nova camada ou etapa ética.
Três frentes que são referência para mim - Google Digital Wellbeing, Center for Humane Technology e Humane by Design - trabalham com Princípios.
Eu criei meus princípios norteadores em 2019 e os tenho revisado desde então. Meus princípios estão baseados em alguns casos respeitar e, em outros, proteger.
• Dados e direitos
• Vulnerabilidades
• Controle e Opções
• Tempo
• Expectativas
Vejamos cada uma delas a seguir:
Como muito bem apresentado no Ethical Design Manifesto, acredito que a base de um Design Ético está em proteger itens básicos, e nada mais básico que os Direitos Humanos.
É necessário proteger nos meios digitais direitos adquiridos e respeitar os dados de quem os fornece. Alguns exemplos sobre Respeitar e Proteger Direitos e Dados
Tristan Harris comumente cita Edward O. Wilson "temos emoções paleolíticas, instituições medievais e tecnologias divinas". Com grandes discrepâncias entre vulnerabilidades do nosso cérebro e avanço das tecnologias, é necessário que 1) reconheçamos nossas vulnerabilidades e 2) não as exploremos em nossos produtos e serviços de maneira que possam causar danos.
Alguns exemplos sobre Respeitar e Proteger Vulnerabilidades:
Em 1994, Jakob Nielsen em suas 10 Heurísticas de Usabilidade já falava sobre "Controle do Usuário e Liberdade", "Flexibilidade e eficiência no uso", "Ajuda para as pessoas reconhecerem, diagnosticarem e se recuperarem de erros" e "Ajuda e documentação". Todas essas heurísticas mostram como podemos dar Controle e Opções para quem utiliza um produto ou serviço.
Alguns exemplos sobre Respeitar e Proteger Controles e Opções:
Tempo está ligado à atenção e foco, projetar pensando no dia a dia das pessoas deve ser ponto de partida para qualquer projeto envolvendo Experiência do Usuário - fazemos isso quando entendemos quem é o público e usando ferramentas como Mapa da Jornada do Usuário, Mapa de Empatia, Canvas de Proposta de Valor e outros.
Alguns exemplos sobre Respeitar e Proteger Tempo e Agenda:
Trazendo novamente o modelo do Ethical Design Manifesto, respeitar e proteger as expectativas das pessoas tem a ver com os dois itens do topo da pirâmide: respeitar os esforços humanos sendo funcional, conveniente e confiável e respeitar a experiência humana, sendo encantador.
Alguns exemplos sobre Respeitar e Proteger Expectativas:
Além dos princípios para guiar, o Center For Humane Design e o Google também criaram ferramentas para auxiliar no desenvolvimento de produtos e serviços éticos e humanos.
O exemplo abaixo do site Center for Humane Design - Humane Design Guide mostra uma planilha para ajudar a identificar oportunidades para uma tecnologia mais humana.
E o documento do Google bem completo - Google's digital wellbeing product experience toolkit - explica sobre bem estar digital, mostra os princípios de UX para esse bem estar, apresenta algumas provocações para ajudar no desenvolvimento e, por fim, tem um workshop pronto para ajudar na avaliação produtos existentes, gerar ideias e, mais importante, investigar consequências não intencionais.
Finalizando, gostaria de apresentar duas frases célebres.
Ambas me lembram do poder e responsabilidade como pessoas que trabalham com tecnologia, quando podemos estar nas mãos e nas vidas de milhares e até milhões de pessoas, literalmente formatando suas dinâmicas de vida e social.
Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades.
Tio Ben, Homem Aranha
e
Tudo o que temos que decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado.
Gandalf, A Sociedade do Anel
E assim como comecei, gostaria de terminar esse texto com outra pergunta:
Daremos opções para as pessoas decidirem o que elas querem fazer com o tempo e vida delas?
Essa não tem uma resposta em comum, mas vem carregada de esperança que, não só em 2021, mas daqui pra frente, a resposta seja sempre sim.