Natalí Garcia é Designer de Serviço, Consultora de Experiência do Cliente e Professora. Cursou Técnico em Design, Artes Visuais na UNESP, Gestão em Marketing na Anhembi Morumbi, especializou-se em Design de Serviço (antiga EISE) e tem um MBA em Transformação Digital e Futuro dos Negócios pela PUCRS. Tem mais de 15 anos com pesquisa e concepção de produtos e serviços digitais, tendo trabalhado em empresas de diferentes portes em diferentes setores, de telecomunicações, educação, saúde, instituições financeiras e consultorias.
Temos conhecimento dos problemas que enfrentamos, não só como indivíduos e cidadãos, mas também como espécie. O mundo que conhecemos nunca parou de mudar, porém nos últimos séculos tivemos uma acelerada transformação na sociedade que nos levou a um modo diferente de pensar - mais progressista e científico - que nos possibilitou criar muitas novas tecnologias e nos possibilitou crescer e prosperar economicamente, porém não sem perdas e débitos. De acordo com uma maneira de ver e criar o mundo sob um paradigma mecanicista e linear, geramos também inúmeros problemas em larga escala, que hoje ameaçam nossas condições de vida presentes e futuras.
Em seu livro, "A visão sistêmica da Vida", Fritjof Capra e Pier Luisi discorrem sobre o antigo paradigma que modelou o pensamento - sobretudo ocidental - pautando o tipo de crescimento ao qual nos apegaríamos como sociedade - o crescimento quantitativo. Economistas enfocam o crescimento de acordo com uma parcela muito limitada de métricas e números que não expressam de fato a real riqueza ou pobreza dos países e mercados. Algumas culturas dominantes tampouco incentivam um necessário equilíbrio nos valores e práticas dos cidadãos, provocando um acelerado e insustentável passo de consumo de bens e recursos naturais.
Há tanto valor monetário circulando em nossas redes globais e, apesar disso, é crescente a desigualdade entre pessoas e entre países - que não usufruem de maneira igualitária dos produtos, serviços e recursos globais - bem como é crescente a instabilidade de nossos ecossistemas, que revelam hoje dificuldade em se sustentar e se regenerar, devido ao constante e crescente desgaste sobre eles infligidos.
No mesmo livro, Capra e Luisi apresentam teorias de uma nova forma de pensar, que se contrapõe ao mecanicismo e introduzem o que chamam de uma visão sistêmica da vida - mais do que conceber a complexidade e interconectividade do mundo real, nos deparamos com a necessidade de conhecer a fundo os princípios da vida e da ecologia, para então mimetizá-los e obtermos insights sobre o que é esperado de nós quando se trata de garantir a sustentabilidade e prosperidade do mundo, levando em consideração também um crescimento qualitativo - que busca o bem comum, o belo, a vida e a justiça social.
Quando se fala de sustentabilidade, tanto dos ecossistemas físicos e biológicos como de sistemas socio-técnicos, é preciso entendermos que já não é suficiente apenas evitar danos, precisamos ativamente trabalhar para a regeneração da saúde e qualidade desses sistemas. Ou seja, é preciso não apenas parar de propagar efeitos nocivos, mas reestabelecer as condições para que esses organismos possam recobrar a saúde, e florescer e frutificar. Atualmente já existem conhecimentos e tecnologias para a transformação do nosso mundo, de problemas ambientais à problemas sociais, dispomos sim - em algum lugar - de recursos que poderiam nos ajudar a mudar quadros tão negativos. No entanto pouco ainda é feito, ou ainda, o resultado parece pouco relevante. Muitas soluções e iniciativas perecem por atacar apenas sintomas ou por não terem condições de endereçar os muitíssimos outros problemas que se desvelam ao analisarmos sistemicamente o contexto e a causa raíz do desafio que almejam resolver.
Muitas vezes novas tecnologias, que parecem promissoras, ajudam a criar novos problemas, que agravam desigualdades e desequilíbrios, sobretudo por ainda pensarmos de forma segregada e linear, dando pouco espaço ao pensamento sistêmico e ao design estratégico.
No entanto, hoje há muitos caminhos e tendências surgindo que nos revelam possibilidades e esperança. Capra e Luisi descrevem algumas soluções sistêmicas em cases no seu já mencionado livro, bem como o autor e designer Ezio Manzini ("Design quando todos fazem design", 2017) apresenta clusters de inovação social, onde o design tem papel fundamental para a promoção da transição para a sustentabilidade.
Agroecologia, energias limpas e renováveis, redesign de cidades e comunidades, economia circular, e muitos outros temas oferecem uma luz no fim do túnel. São soluções até simples, mas que de tão contrárias ao status-quo, têm enorme resistência para sua aplicação em larga escala.
Posso perceber que há brilhantes estudiosos que têm sim muitas respostas e caminhos, porém como o filósofo e educador Paulo Freire já dizia na década de 70 em seus livros, como em "Pedagogia do Oprimido" e "Extensão ou Comunicação", não é eficiente "prescrevermos soluções" - por mais bem-intencionadas que sejam, a mera descrição de culturas e prescrição de receitas para problemas não muda o contexto, cultura e práticas, isso porque carece da participação ativa daqueles que vivem e sofrem com os problemas no local, e que precisam dialogar para o entendimento, crítica e mudança do meio em que se encontram. É através de um método dialógico que podemos compreender, imaginar e mudar um determinado contexto.
Desta forma, Freire e Manzini concordam que essa práxis do século XXI necessita ser participativa e inclusiva, para empoderar pessoas (ou atores) do ecossistema a co-criarem seu próprio futuro.
No entanto, sabemos o quanto é difícil esperar que as pessoas se mobilizem para co-criar soluções. Vivemos em um mundo em transição onde as relações estão fragilizadas, carecemos de conscientização, educação e mobilização coletiva para a transição. Podem haver boas intenções mas não há cultura e infraestruturas que incentivem e suportem ações anti-convencionais que busquem experimentar meios contrários às práticas e valores dominantes. No mundo altamente hiper-conectado e globalizado, ganhamos por uns lados e perdemos por outros. Acredito que nessa busca incessante do que nos interessa e de quem nos é aprazível, estamos perdendo a capacidade de dialogar e nos conectar como cidadãos - numa base local - e o decorrente enfraquecimento da cidadania e valores emerge dessa quase inexistência do convívio, diálogo e relacionamento com a comunidade que está perto de nós fisicamente mas longe de nós cognitivamente e emocionalmente (nós que fomos conectados a outros em virtualidade e distanciados de outros também). Para esse problema, o da dificuldade de mobilização de pessoas devido ao enfraquecimento de relacionamentos e valores, acredito que o design participativo e estratégico (também chamado por Manzini como co-design) tem um grande papel potencial, no regenerar valores e processos dialógicos que promovam a transformação em nível individual e coletivo, engajando pessoas na prospecção estratégica de futuros sustentáveis e promovendo uma cultura de regeneração que possibilite a manutenção e eficiência de sistemas vivos e a qualidade de suas relações.
Tenho pesquisado com o objetivo de entender como o co-design pode oferecer suporte e ganhos para a qualidade não só das relações mas também no cultivo de valores alinhados à regeneração e sustentabilidade de (ecos)sistemas - que podem ser socio-técnicos e/ou sociais e ambientais.
Acredito que necessitamos ir além da discussão de quais soluções sistêmicas são necessárias para fazermos a transição para um mundo mais justo e sustentável. Precisamos entender o que nos impede e o que nos ajuda a catalisar e perseverar no trabalho necessário para fazer a mudança acontecer - seja na mudança de perspectivas, visões de mundo ou nos experimentos, suportes e continuidade de iniciativas. E nesse sentido nós designers podemos ajudar muitíssimo a construir esse amanhã mais desejável e positivamente transformador para a sociedade e biosfera das quais fazemos parte. Como cantava o Vandré: "Vem vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer."
AGRADECIMENTO
Um salve para os professores da UTFPR, Fred Van Amstel, Marco Mazzarotto e Cayley Guimarães e ao colega Andrei Gurgel, pela oportunidade de participar de algumas rodas de conversas e estudos muito interessantes, onde descobri a incrível sinergia do trabalho do Freire com o Design. Nossas discussões também reforçaram para mim a importância de valorizarmos o design crítico e brasileiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAPRA, F.; LUISI, P. L. 2014. A visão sistêmica da vida: uma concepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix, 615 p.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1974. FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983.
MANZINI, E. 2017. Design quando todos fazem design. Uma introdução ao design para a inovação social. Editora Unisinos, 254 p.