Filha da dona Maria, a caçula dos irmãos, aprendi desde pequena a importância que precisamos criar o mundo que sonhamos e que juntos chegaremos mais rápido até lá. Uso a comunicação, tecnologia e o design para levar ajudar a transformar realidades e sonhos.
Esse texto não é um lamento, e sim um grito de esperança em uma sociedade onde diariamente é difícil se lembrar disso. Ainda que me pareça óbvio e intuitivo esse texto não é para mim por isso, creio que seja tão necessário falar dessa perspectiva do design.
Entendo que de uma forma geral, possa ser taxada de alguns adjetivos antes mesmo de você finalizar sua leitura, mas é importante que você saiba que sou uma mulher munida de esperança. Hoje quero dividir alguns aprendizados e observações que me levam a crer que serão regularmente mais ativas em 2021 pela comunidade.
Depois de muitas falhas, erros e acertos entendi que design se tratava principalmente de pessoas e consequentemente da relação que se criava entre elas e o que entregamos. A partir daí comecei a fazer alguns questionamentos e o principal deles estava atrelado a escuta. Tinha uma grande dúvida sobre essa relação, será que de fato estávamos ouvindo as pessoas? Todas elas? Ou será que estávamos selecionando quem nós queríamos ouvir? Nossa escuta estava conectada com todos? É sobre isso que quero conversar.
Escuta seletiva, como o próprio nome já diz, se remete a selecionar o que queremos ouvir. Acreditem há momentos em que ela pode ser boa, mas da perspectiva da psicologia ela é facilmente sobrecarregada pelos vieses inconscientes, principalmente o da afinidade. Esse viés é conhecido por nos fazer tomar decisões e escolhas com base nos nosso histórico cultural buscando sempre priorizar algo com o qual nos conectamos facilmente por ser familiar, dispensando se de fato é a melhor escolha. Isso vem se refletindo por muito tempo nas entregas, produtos e equipes pouco diversas, que de modos geral criam soluções que não acolhem a todas as pessoas.
Produtos, jornadas, processos e resultados enviesados excluíram durante muito tempo a comunidade negra nesse processo de construção ainda que atuassem como consumidores. Embora saibamos que a comunidade negra representam mais de 50% da população e movimenta cerca de 1,7 trilhões de reais anualmente no Brasil a escuta seletiva sempre excluiu esses consumidores. Porque nossas soluções não refletem ou escutam maior parte da nossa população?
E se você está se questionando de como essa população era excluída existem vários exemplos na mídia de produtos e soluções que chegaram ao mercado com vieses racistas. Ou seja, de alguma forma não consideravam que aquele produto poderia gerar algum aspecto que ofendesse ou excluísse a comunidade negra. Mas hoje, nós vamos falar de uma mudança no cenário do movimento que ainda embrionário, está trazendo soluções mais inclusivas e representativas para a sociedade.
Essa mudança é fruto de um movimento de trabalhar diversidade nos times de design junto com a escuta ativa para a comunidade que durante muito tempo nunca se sentiu ouvida. Atrelado a isso, a latente busca pela melhor experiência que possa se entregar ao usurário pode catalisar a entrega de soluções inclusivas e o design é fundamental para esse processo.
Para que o que conversamos até aqui seja também exemplificado vamos trazer alguns exemplos de como o design pode trazer mais representatividade, na cores, linguagem e processo de construção.
As soluções que iremos trabalhar hoje são as assistentes virtuais, ela representam as marcas virtualmente e são o ponto de contato e interação com os usuários, clientes e consumidores. Cada vez mais as empresas têm atrelados às suas marcas e as ferramentas de suporte virtual ou promoção da marca um avatar. Um boneco com gênero, posicionamento, identidade e nome que busca criar uma aproximação e conexão com a comunidade de modo geral através do cenário digital.
Ciente de que existe a população negra que consome e movimenta a economia de forma ativa e que precisa ser ouvida houve uma mudança significativa nos últimos anos dos representantes virtuais das marcas. Abaixo vamos trabalhar três casos onde o design foi fundamental para o processo de construção à entrega final e a reparação de uma entrega que já estava no mercado.
O primeiro caso estudado hoje será a Nat da Natura. Embora saibamos que a Natura tem constantemente se posicionado como uma empresa inclusiva a criação da Nat é mais um reflexo dessa abordagem.
A assistente virtual da marca criada em 2018 com o intuito de facilitar a relação com fornecedores e cliente se destacou por ser uma das primeiras assistentes virtuais negras. Com cabelos cacheados e um look descolado ela se apresentou como uma amiga, disposta a ajudar e pronta para aprender com as informações que ainda não estivesse em seu sistema.
Através da escuta ativa a Natura entendeu que sua assistente também precisava de uma atualização sendo assim a nova versão da Nat se aproximou mais da realidade das mulheres brasileiras, trazendo celulites e estrias como parte da sua formação, trazendo humanização e naturalidade para a assistente, afinal quem não tem estrias?
Além disso, houve uma mudança para uma nova ferramenta de comunicação: WhatsApp - tornando a interação ainda mais inclusiva nesse processo considerando que a maior parte das consultoras utilizem essa ferramenta com mais facilidade do que o acesso através do computador.
É fundamental ressaltar que a aparência da Nat traz assim uma conexão e familiaridade com diversas mulheres que compõem a rede de consultoras da Natura sendo uma das primeiras vezes onde mulheres negras são colocadas em uma posição de destaque como representante da uma marca no formato de assistente virtual.
O segundo caso que gostaria de compartilhar foi apresentado em 2020. O Baianinho das Casas Bahia também passou por uma atualização e ao som de um funk brasileiro foi apresentado aos consumidores como CB compartilhando que é fruto de uma atualização da marca e aqui é fundamental destacar que a mudança não foi focada apenas na qualidade gráfica, mas sim um conjunto de mudanças que trouxeram características populares em destaque como a idade do representante da marca, tonalidade da pele e o modo de se expressar também se aproximando das camadas mais regulares de consumo da marca.
O último caso que gostaria de compartilhar é o caso da Ultragaz que ao invés de definir o assistente virtual da marca preferiu abrir para votação popular. Este processo permitiu que os usuários escolhessem entre 3 perfis que além de características físicas diferentes também possuíam identidade singulares.
A primeira opção era o Ully G, um homem branco de aproximadamente 35 anos, que se coloca como Proativo, prático e responsável. Além de fã de futebol. A segunda opção era Ully T, uma mulher branca de cabelos lisos que se posiciona com a linguagem muito similar criadoras de conteúdos digitais, se posicionando como Moderna, atenciosa e super antenada.
E por fim a Ully U, uma mulher negra de cabelos crespos que se posiciona como uma mãe que está em processo de aprendizagem em conexão com o mundo virtual, Simpática, especialista e prática. E ainda que haja críticas à qualidade gráfica desse processo, os usuários tiverem a oportunidade de realizar a escolha do seu avatar preferido, sendo a Ully U a escolhida pelos clientes e consumidores da marca como a nova representante virtual.
O que eu quero compartilhar com vocês é que os três casos houve escuta ativa do que as pessoas gostariam de ver e com quem elas gostariam de se relacionar.
Por incrível que pareça a comunidade negra teve um papel fundamental nesse processo. Afinal como disse anteriormente ela compõe a maior parte da base de consumidores dessas marcas apresentadas.
Para 2021, como entusiasta eu espero sim que a escuta seletiva seja em prol daqueles que durante muito tempo nunca foram ouvidos, mas que principalmente a escuta seja ativa para que assim todos possam participar desse processo.
Essas pequenas mudanças que as marcas estão incorporando ao seu processo de design têm sido fundamentais para o posicionamento delas e para a relação que criam com esses consumidores.
O design sempre será uma ferramenta aliada para dar visibilidade as dores, a representatividade e a necessidade de escuta para que todos se sintam acolhidos pelas marcas que os representam ou que buscam os representar. Fomentar esse sentimento de representatividade e conexão em uma sociedade que foi forjada em uma estrutura racista traz sentimentos inexplicáveis e impactos positivos a realidade e rotinas onde há pouca esperança de que o mundo nos reconheçam como iguais dentro na nossa pluralidade.
Não há como prever o que vai acontecer em 2021, mas temos a certeza de que há no mundo pessoas que buscam sim, - criar um ambiente melhor para que todos consigam consumir produtos e soluções que sejam feitas pensadas para elas - por isso, nós enquanto designers precisamos fomentar cada vez mais este processo nas nossas rotinas e na nossa comunidade.
Esse processo não se trata apenas de ter empatia, é sobre co-criar, escutar e usar do poder do design para acelerar a mudança para experiências reais na sociedade.