Liliane é Product Designer na Zup Innovation e Cofundadora da Redesign for All, empresa especializada em inovação através do Design Inclusivo e Acessibilidade. Ela se apaixonou pelo design após sofrer um erro médico que a deixou tetraplégica e defende que suas experiências com a inacessibilidade são oportunidades para provar que o Design junto à Acessibilidade são ferramentas que geram inovação na usabilidade dos produtos e amplitude de entrega dos serviços.
Ao final de 2019, muito se falava sobre a acessibilidade ser uma das principais tendências no meio digital em 2020. Me lembro que para escrever meu artigo no Design 2020, fiz algumas pesquisas sobre o assunto e apontei para uma previsão de que 2020 seria um ano com grandes oportunidades para a comunidade de Design voltar o olhar para as diferentes formas de usabilidade das pessoas com deficiência.
Escrevi sobre acessibilidade, UX e dados como soluções que atendam a todos, destacando como quando nós designers incluímos diferentes necessidades de usabilidade nos processos de criação dos produtos, a acessibilidade realmente é contemplada. Naquele momento eu vislumbrei a expansão do tema através do projeto Design 2020 - e a pandemia acelerou para um cenário tangivelmente real.
Com o artigo publicado em fevereiro, meu trabalho teve maior visibilidade na internet e, em abril, fui convidada a integrar o time de fundadoras da Redesign for All, empresa especializada em inovação de produtos e serviços através do Design Inclusivo e Acessibilidade. Eu buscava oportunidades para romper alguns paradigmas sobre a aplicação de acessibilidade nos produtos digitais e, o propósito para o qual estava sendo destinada a trabalhar na empresa, fazia match com a minha busca.
A pandemia causada pelo COVID 19 estava em fase inicial e seguiu progredindo para uma situação de isolamento social no mundo inteiro. Essa experiência concretizou as previsões para a acessibilidade em 2020 como uma necessidade urgente das empresas, desmistificando a ideia de que recursos acessíveis só deveriam ser aplicados se houvessem pessoas com deficiência como personas do produto.
Por isso, a aceleração da acessibilidade digital durante a pandemia é uma excelente oportunidade de evoluirmos os aprendizados para 2021.
O foco restrito em aplicar acessibilidade em um site por meio de verificadores automáticos e/ou sendo tratada como um item de scorecard, por exemplo, não garante que o produto esteja acessível. A performance da acessibilidade deve ser direcionada à perspectiva da usabilidade de pessoas reais, em momentos de proximidade que gerem conhecimento sobre suas necessidades cotidianas. Essa é uma excelente forma de descobrir features que inovam produtos.
Um exemplo bastante claro foi o que aconteceu com os softwares de videoconferência.
Durante a pandemia, surgiu a necessidade da adequação das empresas ao trabalho remoto e, por causa disso, os produtos receberam um grande número de novos usuários; que significou pessoas com necessidades diferentes em situações diversas. Com isso, a Microsoft, o Google e outras empresas que oferecem produtos para o universo digital entenderam a indispensabilidade de adequar suas plataformas de videoconferência com recursos da acessibilidade digital, como a legenda para quem está em casa num ambiente barulhento e não consegue escutar a reunião durante o trabalho.
O interessante nesse contexto, é que esses softwares já deveriam ter sido evoluídos com recursos acessíveis direcionados à usabilidade das pessoas surdas. E o contexto de necessidades durante a pandemia confirmou o quanto a acessibilidade não passa só por pessoas com deficiência.
A adoção do trabalho remoto pelas empresas foi um facilitador para que mais oportunidades de trabalho para pessoas com deficiência se abrissem na área tech. Essa visão se dá pelo fato da comunicação e entregas serem feitas através de um computador, recurso com potenciais a serem explorados cada vez mais.
Um exemplo de como essa transformação aconteceu durante a pandemia, foi a minha primeira experiência de contratação para trabalhar em uma empresa, ao final do mês de junho. Isso só foi possível porque uso uma tecnologia assistiva que me proporciona independência ao trabalhar no computador. Frequentemente me comunico com os times de design, de tech e negócios através do Google Chat ou WhatsApp. Realizo entrevistas por videoconferência e, mesmo que não seja possível fazer anotações e perguntar ao mesmo tempo, posso escolher gravar para analisar depois. Em resumo, todas as limitações que tenho por ser tetraplégica não influenciam meus resultados por que uso recursos da tecnologia para concluir tarefas.
Muitas vezes, concentra-se os processos de Design em métodos rígidos, deixando de lado um recurso extremamente necessário para se entregar soluções acessíveis: dados sobre as diferentes formas de usabilidade das pessoas com deficiência. Esse é um ponto crucial para evoluirmos a acessibilidade como uma oportunidade para o negócio e para não ser compreendida somente como um processo de empatia.
Em meados de 2020, a Redesign for All iniciou a primeira comunidade de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de tecnologia no Brasil, a Deficiência Tech. Nos primeiros 15 dias já tínhamos uma base de 370 pessoas engajadas e, desde lá, venho percebendo que as empresas estão em atraso nos seus processos inclusivos por não terem informações suficientes.
Entre tantas outras dúvidas…
O aumento na busca por profissionais com deficiência na área de tecnologia também se dá pela especialização da entrega de aplicações acessíveis que, inclusive, está longe de ser um processo apenas empático e sem retorno lucrativo. A OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que até 2030, 2 bilhões de pessoas precisarão acessar pelo menos uma tecnologia assistiva para realizar suas tarefas, e a previsão de compras nesse mercado vem crescendo 7,4% ao ano, devendo alcançar US$ 31 bilhões em 2024.
Contudo, ter mais informações sobre as pessoas com deficiência para incluí-las no mercado de trabalho ou para ampliar a oferta do produto, é uma necessidade atual. Além disso, existe também o fato de envelhecermos e precisarmos de recursos acessíveis, como para ler um livro numa interface digital, por exemplo. Segundo projeções feitas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2018, a porcentagem da população com mais de 65 anos era de 9,2%, mas esse número aumentará para 25,5% em 2060.
Ou seja, acessibilidade digital não é só sobre pessoas com deficiência e aplicações difíceis, é sobre o meu e o seu futuro. Sobre o quanto teremos acesso ao uso dos produtos e o quanto as empresas estarão preparadas para inovar num contexto de necessidades diversas.
Estamos saindo de um ano “surpreendente” e o desejo é que cada momento de aprendizado sobre a acessibilidade - além dos citados neste texto - seja um fato motivador para o desenvolvimento de produtos acessíveis em 2021.
Let’s go, designers!