Pai, curioso e inquieto, sempre aprendendo a lidar de formas diferentes com a criatividade. É ilustrador e pintor autodidata, tatuador (passatempo), fotógrafo amador e tem se arriscado com vídeos. Tem um olhar positivo da vida (apesar de ser realista e cético), tem paixão declarada por tecnologia e prefere trabalhar em grupo. Apesar de ter estudado na faculdade para atuar como desenvolvedor, o lado profissional foi desenvolvido como designer. Atualmente atua no UX Lab, o laboratório de inovação da TOTVS.
Maria finalmente sentiu seus pézinhos na areia, mas quase caiu. Claro né, seu equilíbrio ainda não é dos melhores e teve um momento para reparar no chão. Percebeu a briza batendo no cabelinho e no cheiro da água salgada. Ah! Até aquele momento o cheiro do mar era a maior novidade de sua vida. Levantou a cabeça para seguir o som da água, andou com seus passinhos descoordenados até encontrar o que ela realmente procurava e o sorriso foi muito sincero quando a água gelada encontrou suas pernas curtinhas.
Como sempre naquele local, o mar estava bem calmo, mas para uma pessoa tão pequena podia ser até perigoso, apesar disso, aquele era o momento dela. Todo dela. Dois adultos estavam lá totalmente para ela, tanto para assistir seu prazer em brincar na praia quanto para lhe entregar água fresca por conta do sol quente.
Sua pele era bem clara e, mesmo assim, estava com um tom mais branco ainda, algo pálido, pois o protetor solar estava mal passado embora tivessem tomado muito cuidado para passar em seu corpo. O produto tinha sido escolhido com muito cuidado por conta de sua pouca idade e por ser a melhor marca da farmácia.
Ela tomou um susto quando escutou um grito. Um susto bem rápido, pois ela estava mais preocupada com outras coisas, como aproveitar o mar azul. Azul com algumas manchas grossas e escuras. Manchas que se aproximavam rápido e se tornaram muitas em poucos segundos.
Outros banhistas correram na beira da água e gritavam para avisar o que estava acontecendo para os dois adultos que, por tanto cuidado com Maria, não olharam para o contexto.
A resposta estava no entorno, mas para um final diferente precisava observar o todo.
Maria abriu os olhos, olhou sua volta e percebeu que não estava em seu quarto novamente. Sentou na cama que não era estranha, mas que também não era sua.
Coçou seus olhos e colocou as tranças para de trás de seus ombros. Tranças bem firmes e simétricas até as raízes dos seus cabelos escuros. Sua avó sabia bem como ela gostava daquele penteado. Havia treinado em muitas outras garotinhas antes de na noite anterior realizar a melhor trança que ela já fez aos olhos de Maria, que tinha orgulho tanto de sua avó quanto de seu cabelo.
Tinha outros colchões no quarto, o suficiente para que sua família pudesse descansar de noite. Um dos colchões estava encostado no guarda roupa pequeno, mas tão cheio que suas portas estavam um tanto abertas.
Ela se levantou da cama com a firmeza de quem acabou de acordar e quis ir rápido até a sala e como sempre, o escudo centralizado do time em sua camisa comprida que ia até os joelhos enganchou na maçaneta quebrada do quarto. Claro, ela entendeu o motivo de uma das 3 estrelas do brasão estar descosturando. A porta travava no chão de uma forma que seus braços finos não conseguiam puxar de forma tão ágil quanto ela gostaria. E isso sempre acontecia.
Segurou com as duas mãos a porta, fez força com o corpo todo para trás e o ruído alto da porta desencaixando colocou sua avó de prontidão para observá-la da curva da cozinha.
Ela correu até a sala que nem era longe, mas ela tinha a urgência de toda criança que aprende a correr e nunca mais quer somente andar.
Sua avó a puxou pelo braço, com a dureza de alguém que nunca teve a opção da delicadeza e com o amor de quem deseja alimentar a pessoa amada. - “Você parece uma louca correndo desse jeito pela casa.”
“Aqui… pra você. Sua mãe que deixou pronto antes de sair.”
O pão meio amassado a fez reparar que sentia fome, estava cortado no meio parecendo duas canoas em um prato marrom, daqueles quase transparentes.
Só que esse não era o foco.
“Cadê minha mãe?”
“Já falei que ela saiu.”
“Pra onde?” - Sentou na cadeira colocando o prato no colo.
"Pra onde… pra onde? Foi trabalhar, menina.”
Após uma longa pausa. - “Ela só fica por aí…”
A avó se virou para Maria soltando o pano de cozinha na pia, colocou as duas mãos calejadas no encosto da cadeira que estava a frente de Maria, bem do outro lado da mesa. “Fia, você acha que ela gosta disso? Você tem que agradecer a Deus ela tê esse emprego. O trabalho que você fica reclamando é o que paga esse pão, agora come quieta, fia.”
Ela ficou olhando o pão alguns minutos, o que para uma criança pode parecer uma eternidade. Então, começou a comer com raiva, como se o pão fosse culpado por sua mãe não estar mais em casa todo dia que ela acorda. Mais culpado ainda que nem a via quando chegava, pois já estava dormindo.
“Fia, sua mãe só faz isso porque te ama.”
Maria foi atingida por um onda leve que lhe sujou de óleo até os tornozelos e ela entendeu que algo estava errado. Enquanto, Maria mastigava seu último pedaço de pão amanhecido no mesmo instante que entendia que sua mãe a amava, mas pela boca de outra pessoa.
Neste texto não serão citadas pessoas como Aristóteles, Maquiavel, Locke, Marx, Kant, Engels ou Smith, tão pouco alinhamentos políticos. E para ser bem sincero, nem pretendo utilizar citações de designers e pessoas que admiro. Não se iluda quanto a isso.
Então, o que te faria continuar a ler esse texto? Você já investiu um tempo considerável no conto da introdução (que não foi dos menores, convenhamos), mas o que mais vale a continuidade da leitura é que aqui contém a vivência de um designer, ou seja, visões tiradas da minha cabeça para meu Macbook Pro, passando pelos meus dedos das mãos sobre design e política do dia-a-dia. E aproveito para pedir atenção no esforço em manter o texto focado no objetivo de compartilhar e fazer pensar, isso sem perder o rumo dos argumentos.
Sou nascido e criado em Itaquera, um bairro da periferia de São Paulo, que tem suas características próprias de convivência. Até me orgulho de vários destes traços, tanto que os tenho comigo até hoje.
Nunca passei fome ou necessidade e tive oportunidade de estudar em uma escola boa o suficiente para me colocar no caminho que trilhei, também fui o primeiro de minha família mais próxima a ter um diploma universitário, coisa que me trouxe orgulho e questionamentos. O curioso é que o canudo não me garantiu a não passar apertos bem desconcertantes. De qualquer forma, tive uma criação machista, passei por situações onde me posicionei com homofobia e já pratiquei muitas piadas racistas, coisas que eu julgava normal e não o são. Essa foi minha construção.
Em uma auto avaliação que ninguém perguntou, posso dizer que estou em constante mudança, venho me auto avaliando desde que entendi o que realmente é "ser um designer" e tenho como objetivo tornar meu filho uma pessoa livre desse tipo de autoavaliação em seu futuro como adulto.
Ah, bem lembrado! Uma informação da qual me orgulho é que sou pai.
Li esses dias que “criar um filho é um ato político”. Concordo com isso e posso complementar, foi "tentando" entender meu papel na sociedade (ainda como pai, não designer) que entendi o quanto de política existe no fato de viver. Viver realmente é um ato político.
"Tentando" com aspas intencionais, pois entender meu papel na sociedade é uma constante e grata descoberta. E ser designer é somente um de meus papéis.
E o que é ser um designer no meu ponto de vista?
Ser muito bem informado. Ser multidisciplinar, saber novidades de tudo e principalmente, sobre design. Mais que isso, precisamos estar atentos aos sinais fracos do mercado, olhar para o momento anterior às tendências.
Ser livre de julgamentos. Mesmo sendo algo difícil de conquistar é uma de nossas características.
Ter empatia. As pessoas que são o foco de nossos trabalho precisam ser profundamente entendidas e, como a prática desse entendimento é muito complicado, podemos começar treinando nossos ouvidos dando atenção plena ao ser humano, ou seja, foco completo em nosso “objeto" (com todo respeito) de estudo, em uma escuta ativa.
Precisamos ter nas mãos algumas ferramentas para solucionar problemas de forma criativa, além de nossa própria vivência. Algo que quando entendemos como funciona a cabeça de designer, começamos a criar nossas próprias ferramentas.
Gostar de compartilhar por hábito. Isso é bem importante e vem se intensificando com o tempo. Aparentemente há uma vontade coletiva em tirar o assunto "design" do altar elitista de onde foi concebido.
E ser designer é muito sobre fazer a diferença. Preciso escrever que colocar as pessoas no rolê é importante? Bom, ok… Entenda rolê como nossos produtos e serviços que são meios para chegar em uma finalidade que é impactar o ser humano, pois ainda não desenhamos soluções para robôs, certo?
O design é, de forma geral, um monte de ferramentas, métodos e abordagens extremamente humanas que se utilizadas de forma responsável tem a possibilidade de alterar a qualidade de vida das pessoas atingidas para melhor e, caso empregadas de forma negligente, podem prejudicar uma camada social inteira. Ou seja, influenciamos de forma positiva ou negativa direta ou indiretamente a vida de inúmeras pessoas, inclusive algumas vezes temos interceptores diferentes em uma única ação nossa.
Agora… qual a escala do produto ou projeto que você está atuando? O quanto é grande ou impactante?
Você já se questionou sobre sua responsabilidade com as pessoas direta e indiretamente impactadas?
Talvez eu tenha escrito essas perguntas para mim mesmo (mas você pode participar aqui comigo), pois querer entender meu papel como designer me trouxe outros questionamentos.
Que tipo de produtos estou desenhando? É para todas as pessoas que tem potencial em utilizá-lo ou somente para utilização de minha bolha e outros semelhantes a mim?
Ainda carrego comigo os resquícios de "dominação" em minha profissão? Sou branco, hétero e cis em uma sociedade onde figuras públicas ainda declaram não existir racismo no Brasil. Sério mesmo? Com isso, também, faz parecer que a minha “realidade” é o que todo mundo vive. Será?E será que estou esquecendo de minhas origens? Lembro bem que iniciei os estudos da faculdade de informática sem ter um computador, mas faz muito tempo e agora tenho um Macbook Pro para trabalhar (imagino que vocês tenham reparado nisso). Conquistei uma carreira em uma área elitista que tem muito potencial nas periferias e mesmo tendo minha origem em Itaquera, o que fiz quanto a realidade que conheço e presenciei naquela região?
Que porra de diferença eu estou fazendo? Acabei de falar que ser designer é muito sobre impactar a vida das pessoas e quando eu olho a minha volta ainda enxergo um desequilíbrio desumano.
Somos uma sociedade prestes a completar 200 anos de independência, mas com uma imaturidade evidente. Caso tenha dúvidas disso: tivemos somente 2 presidentes eleitos por voto popular pós ditadura que terminaram seu mandato. O que não diminui minha responsabilidade.
A popularização do design não está crescendo tanto no Brasil por tão pouco, o mercado privado entendeu o valor de nossa atuação e o aceitou como diferencial evidenciado em seu negócio. Escutar e priorizar seu cliente se tornou um destaque diante da concorrência, uma forma de humanizar o contato com seus usuários e direcionar seus esforços para o sucesso.
Este cenário é o que torna o design uma ferramenta de impacto social e político muito poderosa. Afinal, somos um canal estratégico entre várias áreas corporativas. Pense comigo, quantas pessoas de sua empresa você impacta por semana?
Também temos contato direto com as pessoas que consomem os produtos e serviços que lidamos. E vocês realmente entendem a jornada daqueles clientes que são impactados?
Nossas descobertas direcionam os passos de muitas áreas de uma empresa e com isso pergunto: realmente estamos avaliando a repercussão de nosso trabalho no meio ambiente e em todas as camadas da sociedade?
Vivemos no capitalismo, tudo bem… Temos boletos para pagar com data de vencimento, crianças para criar e sonhos para se realizar. No entanto, se usarmos como base de comparação uma proporção temporal: caso a história das pessoas favorecidas se faça em 2 minutos a dos socialmente desfavorecidos demoram 40 minutos, na maioria das vezes, 40 horas a mais e nunca com o mesmo desfecho.
Então, devemos questionar a nós, aos que estão à nossa volta e ir fundo em qualquer assunto, como por exemplo, a utilização do termo “usuário” que, além de nossa área é utilizado pelo mercado de tráfico de drogas. E o quanto isso permeia a “humanização”?
Se é para humanizar vamos fazer direito. Caso contrário, estaremos nos voltando para o oposto do nosso propósito e criaremos um aumento no vão social que já existe em nossa sociedade.
Nossa responsabilidade com posicionamento político está definitivamente intensificado, principalmente após 2020. Com tantos cenários políticos polarizadores, pandemia, saúde mental colocada a prova, o povo quebrando a cabeça, o bolso e seus bens, saudades das pessoas amadas... não podemos dizer que nossa responsabilidade não aumentou. Com isso, precisamos falar mais sobre inclusão social, acessibilidade, racismo estrutural, preconceito, machismo e política.
“...it's everything, it's the way you experience the world, it's the way you experience your life…” ou “…é tudo, é a forma como você experimenta o mundo, é a forma como você experimenta a sua vida…” Don Norman sobre o que é UX. Alguém aqui pode dizer algo contra isso?
Para quem reparou na citação que tinha me negado a incluir, tomara que eu tenha outras oportunidades como essa de ser hipócrita.